30 de setembro de 2008

Reflexões marianas

Maria a Menina, a Mãe e a Mulher da Solidariedade

Maria de Nazaré é uma presença especial e inultrapassável da História da Salvação, esta história do enamoramento de Deus pela humanidade. Nela, Maria é escolhida, desde toda a eternidade, para ser a Mãe do Filho do Altíssimo e com isso ser Mãe do próprio Deus.
Maria age totalmente confiada no Senhor Deus: tudo em Maria depende da graça de Deus, ela que é a agraciada por excelência, concebida imaculada.
Nestas reflexões vamos olhar para Maria a menina, a mãe e a mulher da solidariedade. Ela foi realmente a primeira discípula de Jesus que veio ao mundo, no seu seio para salvar e passou fazendo o bem. Maria é exemplo de solidariedade para todos quantos a veneramos como a Mãe de Deus e a Nossa Mãe.


“Faça-se em mim segundo a vossa vontade”
A Senhora na Anunciação na Visitação e no Nascimento


“Faça-se em mim segundo a vossa vontade”. Este é o harpejo confiante que ecoa de Maria, a menina de Nazaré. Funciona como programa de toda a sua vida; o cumprimento da vontade de Deus é a sua missão primordial. Ela é escolhida desde toda a eternidade, vocacionada por Deus que fez dela o primeiro sacrário da terra a albergar a divindade.
O anúncio do Anjo à menina de Nazaré, no dizer de Bento XVI, marca o início de um novo tempo para o povo de Deus, pois é o cumprimento do Antigo Testamento com a abertura do caminho para o Reino de Deus à luz da Boa Nova, para toda a Humanidade. De facto, a Anunciação do anjo a Maria marca o início da Redenção humana. Com seu “sim”, Maria divide a história da humanidade em antes e depois, em velho e novo. Ao aceitar o projecto de Deus, Maria insere-se definitivamente na aliança de Deus com seu povo: através dela o Filho de Deus se fará homem e se fará presente e actuante em seu tempo e por toda a eternidade.
Maria, como sabemos, era uma jovem adolescente, simples e virgem, prometida a José, um carpinteiro descendente da casa de David. Perturbou-se ao receber do Arcanjo aquela estranha saudação: “Salve, cheia de graça”. Diz o Bispo S. Sofrónio a respeito de tal palavra, num Sermão sobre a Anunciação: “que pode haver de mais sublime do que esta alegria, ó Virgem Maria? […] Nada se pode comparar com a maravilha que em Vós se contempla, nada há que iguale a graça que possuís”. D. Hélder Câmara diz, sobre a graça que Maria recebe, numa poesia:
Gratia plena
Teu Filho nasceu
e continuas grávida
cheia de graça
cheia de Deus.
(D. Hélder Câmara, 1962. www.amaivos.com.br)

Maria é, de verdade, cheia de Deus e o Pai dependeu do seu consentimento para realizar o Mistério da nossa Redenção, por meio de seu Filho Jesus.
A Virgem Maria aceitou, demonstrando toda confiança no Senhor Deus e se fez Instrumento Divino nos acontecimentos proféticos. Mas teve de perguntar como seria possível. A pergunta não tem o intuito de contestar, mas de saber como seria feito, e o que deveria fazer. A jovem menina de Nazaré consegue perceber, nas palavras do mensageiro, a certeza da presença de Deus. Assim, abre o seu coração e seu corpo ao extraordinário, àquilo que assombrará a humanidade por gerações: seu corpo virgem gerará uma vida – mistério insondável de Deus, revelação suprema do Seu poder em tornar possível o impossível aos olhos humanos. Por isso, Maria responde ao chamamento com a mesma simplicidade da sua vida e fé: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa vontade” (Lc1,38).
Com esta resposta, Maria aceitou dignamente a honra de ser mãe do Filho de Deus, mas ao mesmo tempo também aceitou os sofrimentos, os sacrifícios que estavam ligados a esse sim, que tem a “marca do eterno e do definitivo” no dizer do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.
É extremamente interessante notar que, depois do Espírito Santo fecundar Maria, conforme as palavras do Anjo, Ela se coloque a caminho para ir visitar a sua prima, grávida na sua velhice.
Maria partiu apressadamente para a casa de Isabel (Lc 1, 39) e já sabia, do diálogo com o anjo do Senhor, que também Isabel esperava um filho (Lc 34-37). Devemos entender o gesto da jovem menina que visita a mais velha como um gesto de serviço. Mas, podemos imaginar aquelas duas mulheres sentadas à beira do fogo, descansando dos afazeres, a partilhar seus sentimentos, como que procurando entender o que lhes estava a acontecer, louvando a Deus que tudo pode, cúmplices de um mistério que só os seus corações e ventres eram capazes de entender. E Maria comprova assim a sua vida de solidariedade, de serviço, de amor: não está só no dar coisas materiais a verdadeira solidariedade. Maria não dá coisas, dá-se a si mesma, por companheira, por ouvinte. Isto é possível para quem confia totalmente no Senhor e para quem se sente pequeno, dependente e frágil. Comenta São Francisco de Sales: “Na Encarnação Maria humilha-se confessando-se a serva do Senhor... Porém, Maria não fica só na humilhação diante de Deus, pois sabe que a caridade e a humildade não são perfeitas se não passam de Deus ao próximo. Não é possível amar a Deus que não vemos, se não amamos os homens que vemos. Esta parte realiza-se na Visitação”.
Esta solidariedade da menina, da mãe e da mulher que é Maria concretiza-se também no nascimento de Jesus no presépio de Belém. Ao partir com José para Belém, para fazer o recenseamento que o imperador havia decretado terminam os dias e Jesus nasceu. Colocado na manjedoura, por não haver lugar na hospedaria – estranho destino de Deus que não tem lugar no mundo que vem salvar – envolveram-No em faixas. De repente, o céu encheu-se de luz – a Luz nasceu, veio ao mundo – e pastores começaram a aparecer para visitar aquele Menino.
Naqueles primeiros dias de vida de Jesus, muitos terão acorrido à gruta de Belém: pastores e reis, ricos e pobres, gente de lugares e costumes diferentes. E ali, junto ao Menino, uma figura silenciosa tudo via, tudo guardava, tudo agradecia: Maria, a jovem mãe, que a todos acolhia e com todos partilhava seu maior segredo – o filho de Deus!
Dividida entre os afazeres primeiros de uma mãe e as tantas pessoas que queriam ver o Menino, Maria ainda meditava: o que significava tudo aquilo? O que Deus lhe estava a dizer através do rumo daqueles acontecimentos? Numa hora chegavam simples pastores; noutra, reis do Oriente. Podemos imaginá-la ora serena, ora assustada. Ora cúmplice de José na descoberta dos desígnios de Deus para aquela família. Ora apoio do mesmo José aquando da difícil decisão de deixar a terra natal para viver no Egipto em nome da segurança do seu Filho. Está, pois, totalmente entregue às maravilhas de Deus, totalmente entregue aos sentimentos da maternidade. Totalmente entregue a seu Filho e Senhor.
A mãe do Menino soube ouvir profecias e oferecer sacrifícios como mandava a lei do seu povo. A mãe soube ser Mãe da humanidade inteira nos primeiros momentos da vida humana de Jesus: a todos permitiu chegar perto, a todos permitiu também ver as maravilhas. Intercessora desde o primeiro instante, abriu caminhos, deu acesso. Totalmente mulher, totalmente entregue à humanidade por seu Filho.
No entanto, o inesperado aconteceu: o Filho amado de Maria vai embora, parte para o mundo, para fazer as coisas de Seu Pai. Primeiro encontrará João, o primo que baptiza nas águas do rio Jordão e, confirmada a sua Missão, sairá pelas estradas da Palestina a pregar, a curar e a transformar a vida das pessoas que Lhe cruzam o caminho.
E a Mãe? A mãe ficará em casa, sem conhecer o seu destino, mas sabedora de Sua Missão. Acompanhará em silêncio a jornada de Seu Filho. Alegrar-se-á com a firmeza dos Seus passos. Será cúmplice das Suas palavras. No seu íntimo, a Mãe experimenta um misto de sentimentos: orgulho, medo, insegurança, consolação... No seu íntimo, descobre-se uma vez mais filha de Deus, fiel à vontade do Pai, serva do seu Senhor.
Jesus parte mas terá Maria como presença constante. A mãe ensinou-Lhe a estar no meio dos homens, ensinou-Lhe a ler, a escrever. A mãe contou-Lhe histórias sobre aquele povo e sua caminhada à procura da Terra Prometida e sobre a sua espera do Messias. A mãe falou-Lhe do sofrimento daquela gente humilde, ensinou-Lhe a compadecer-Se dela e a estar ao serviço, sempre.
Um e outro experimentarão o vazio e a saudade da presença física. Um e outro experimentarão a alegria de se saberem fazedores da vontade do Pai. Um e outro experimentarão a cumplicidade por entenderem o convite do seu Deus. Um e outro marcarão definitivamente a vida da humanidade. O Filho parte, mas deixa com a Mãe a certeza de que Ela o preparou para a Missão maior. A Mãe fica, mas o Filho leva no seu coração todas as palavras, todo o ensinamento, toda a lembrança dos dias de Nazaré que a Mãe dedicou ao Seu crescimento e formação. Um e outro unidos para sempre na construção do Reino de Deus junto à humanidade.
Esta é Maria, a Menina, a Mãe e a Mulher que vive a solidariedade em todos os momentos. Na sua escola, temos, hoje, muito a aprender.





















“Não têm vinho”
Maria nas Bodas de Canã

A aceitação de Maria como intercessora da humanidade junto a Deus vem da sua própria participação na vida pública de Jesus. Em especial, o episódio das Bodas de Caná, nos mostra claramente como a Mãe de Jesus actua junto àqueles que dela necessitam. Ele é Mãe de clemência e de esperança, como cantávamos.
S. João começa por dar conhecimento da presença da Mãe de Jesus, do próprio Jesus e dos seus discípulos na festa do casamento. Eles eram os membros do povo judeu, fiéis à revelação e à lei mosaica. Eles eram os restos fiéis do povo eleito.
Maria, a dado passo, percebe que o vinho está para acabar e por isso, cheia de zelo e de prestimosa caridade, observa a Jesus: “Não têm vinho” (Jo 2, 3). Para evitar que os anfitriões passem vergonha diante dos convidados, pede a seu Filho o milagre. Veladamente, mas certa de que Ele o é capaz. Este pedido de Maria a Jesus traduz a sua relação maternal com a humanidade. Amor materno que antevê a aflição dos filhos, que procura diminuir-lhes o sofrimento, que quer desde sempre dar-lhes o que de melhor puder dar. Diz o Beato José Maria Escrivã: “É próprio de uma mulher [mãe] e de uma solícita dona de casa notar um descuido, prestar atenção a esses pequenos detalhes que tornam agradável a existência humana: e foi assim que Maria se comportou”. É assim que Maria intercede junto a Deus pela humanidade, como se dissesse constantemente: “eles não têm mais vinho”, sugerindo ao Senhor que resgate aos homens e mulheres a alegria perdida no meio dos seus sofrimentos e os conduza à felicidade e à salvação.
A resposta de Jesus à sua Mãe, à primeira vista, poderia parecer dura mas só àqueles que não possuem uma verdadeira compreensão da Escritura. Disse Ele: “Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora”. (Jo 2, 4).
Ora, examinando-se melhor a resposta de Jesus, podemos ver como ela é, de facto, elogiosa para Maria. Em primeiro lugar, convém lembrar que Ele a chamou de “mulher”, também no Calvário, dizendo do alto da Cruz: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19, 26), como veremos adiante.
Chamando-a de “mulher”, Ele fala como Deus fala às suas criaturas. Mas, ainda mais importante do que isso, Jesus chama sua Mãe de “mulher”, para que todos reconheçam nela aquela “mulher” que profetizou no Génesis, quando amaldiçoou a serpente dizendo: “Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar”(Gn 3, 15) ou então a “mulher” que esmagou a cabeça da serpente, como relata o Apocalipse, ao consentir o nascimento do Menino, o Filho de Deus. E assim como de Cristo se disse bem propriamente “Eis o Homem” (Ecce Homo), assim também é próprio dizer da Virgem Maria Mãe de Deus “Eis a Mulher” (Ecce Mulier), aquela que possui as duas perfeições mais importantes da “Mulher”: ser Mãe e ser Virgem.
Depois, voltando àquela festa de Caná, Maria irá advertir os serventes: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). E é ensinando àqueles homens que fiquem atentos ao movimento de seu Filho que Maria irá tornar-se também intercessora de Deus junto à humanidade. O milagre não aconteceria se os serventes não ouvissem e obedecessem ao que Jesus lhes indicaria adiante. Por isso, era necessário que um canal de comunicação se abrisse entre a divindade e a humanidade. E, em Caná, Maria foi essa via comunicadora de vida nova que age movida por uma “caridade preventiva”.
Se Maria pediu o milagre por caridade material, Ela imediatamente dá aos servos do noivo um conselho que serve para todos nós: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Por este motivo também, não é sem razão que a Igreja a chama de Mãe do Bom Conselho. Não só ela foi Mãe do Conselho de Deus Altíssimo, como é Mãe que continuamente só nos comunica bons conselhos e aspirações.
Vendo nossas aflições e respondendo com o pedido de que façamos o que Jesus nos disser, Maria se torna intercessora de Deus junto da humanidade. Essa frase afirmativa aproxima o homem do desejo de Deus de tê-lo perto do mistério divino. Tal como em Caná, o milagre não poderá acontecer se não tivermos olhos e ouvidos abertos para fazer o que o Senhor nos diz. Com Deus, participamos do milagre de fazer vida nova no mundo e é Maria quem nos conduz nesse mistério de amor e construção.
Esta Mãe solícita e atenta, presente e actuante na vida dos homens, que é Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, foi ornada com os versos do poeta Dante, na sua Divina Comedia:
Mulher, és tão grande e tanto vales
que, quem graça e a ti não recorre,
seu desejo é o de voar sem ter asas.
A tua benignidade não só socorre
a quem pede, mas muitas vezes,
generosamente, ao pedir, precede.
Em ti, misericórdia, em ti, piedade,
em ti, magnificência, em ti se reúne
tudo quanto na criatura há de bondade!
(Dante Allighieri, Divina Comedia, Paradiso, XXXIII,13-21)




“Eis o teu filho”
As dores de uma Mãe


A solidariedade de Maria adquire a expressão mais dramática na “hora” dramática de Jesus: a morte na cruz. Aos pés da cruz, vislumbramos a Senhora trespassada pela dor. Mas, toda a vida de Maria é atravessada pela dor e, por isso, a veneramos e louvamos na terra como Mãe das Dores. É um título que nós dificilmente daríamos às nossas mães, embora todas experimentem o sofrimento e a dor. Mas, em Maria, o sofrimento foi um componente da sua vida, da compaixão com o seu Filho Jesus, o Homem das dores (Is 53).
O sofrimento de Maria, com e por Jesus, começou muito cedo. Logo no nascimento de Jesus: não encontraram hospedaria, nem acolhida. E São José, teve que procurar, nas cercanias e arredores de Belém, uma gruta para abrigo. Coube ao Filho de Deus feito homem nascer num lugar onde os animais eram recolhidos durante a noite. É claro que o coração da Mãe deve ter sofrido muito com isso.
Algum tempo depois, quando Jesus teria 2 anos de idade, Herodes empreende uma perseguição feroz contra Ele. Por ocasião da visita dos Reis Magos, sabendo que Jesus era o Messias, decide matá-lO. Maria e José fogem para o distante e desconhecido Egipto, terra da qual nem sequer conheciam a língua, levando consigo o Menino Jesus. Uma viagem longa, difícil, sofrida. Maria empreende-a por amor e pela segurança do seu Filho.
Aos 12 anos, Jesus sobe a Jerusalém para a festa da Páscoa, na companhia dos pais. Ao invés de voltar com eles, fica no templo. O sofrimento de Maria, diante da perspectiva de tê-lO perdido, lembra-nos a profecia de Simeão: "Uma espada de dor vai atravessar o teu coração, por causa desse Filho" (cf. Lc 2,34-35). Essa espada começava a sua trajectória, até ao mais íntimo do coração da Mãe. Ao terceiro dia, finalmente, encontram-nO. No meio dos doutores, discutindo, ensinando, perguntando, Jesus exercia a função de quem estava "na casa do próprio Pai".
A vida oculta de Jesus em Nazaré foi também, de certa maneira, um sofrimento para Maria. Se Ele era o Messias, como entender esse silêncio de quase 30 anos? Mas, um certo dia, Jesus anuncia-lhe a sua partida, para realizar a missão pela qual viera ao mundo: pregar o Evangelho. Ela deve ter aderido a essa missão imediatamente. E acompanhou seu Filho, desde a primeira pregação até à última palavra no alto da Cruz.
Maria, certamente, alegrou-se muito quando ouviu os ensinamentos de Jesus. No entanto, sofre ao perceber a repulsa à mais bela proposta de felicidade, hoje consubstanciada nos Evangelhos. Por mais que a linguagem do Filho tenha sido extraordinariamente bela e transcendente e, ao mesmo tempo, humanamente acessível, sempre havia quem se lhe opusesse. As autoridades, os fariseus, os chefes, os escribas, os doutores, procuravam constantemente alguma coisa para contradizê-lO e acusá-lO. Possivelmente, já sabiam que Ele era o Messias e não se contentavam apenas em persegui-lO, propondo-Lhe armadilhas, quando Ele pregava. Começaram a conspirar para matá-lO.
Maria vivia na ansiosa expectativa de quando e como isso ocorreria, até que Jesus se dirigiu ao Horto das Oliveiras. Ela deve ter acompanhado, de longe, seu Filho que sofria, antevendo a própria Paixão e Morte, em terrível agonia. Nessa mesma hora, Jesus é preso e levado ao Sinédrio. Condenado por esse júri forjado, foi logo levado à flagelação e coroação de espinhos.
Foi grande o sofrimento de Maria, ao ver o sangue de Jesus verter sobre a terra, a escorrer pelos lajedos daqueles lugares tétricos, onde eram supliciados os réus, ou os inocentes, injustiçados como Ele. Maria recolhe esse sangue, herdado dela, mas que, unido à Pessoa do Pai pelo Filho, se torna sangue divino e redentor.
Maria assiste, na manhã seguinte, à triste cena da condenação oficial de Jesus por Pilatos, que lava as mãos em sinal de covarde omissão.
Logo depois, começa a triste marcha para o Monte Calvário, a trajectória da Via Crucis, a via do sofrimento último. Nas curvas desse caminho, a Mãe deve ter encontrado o Filho. Por breves trocas de olhares, Ela O conforta, assegurando-lhe que está com Ele. Embora sem levar a cruz ao ombro, como o Cireneu, Ela carrega com Ele todo o seu sofrimento, até à consumação pela morte. Mas, também o Filho a conforta porque Ele vai “renovar todas as coisas” (Ap)
Durante a crucifixão, cada pancada, pregando com cravos as mãos e os pés do Filho, era um golpe no coração da própria Mãe. A agonia durou três horas. Jesus, levantado na cruz, pendente entre o céu e a terra, com os braços abertos como um arco-íris de paz sobre o mundo, exclamou: "Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Nessa cena, São João descreve Maria de pé, junto à Cruz, jamais deixando-se abater, nem pelos mais insuportáveis sofrimentos. Jesus, já quase sufocado pelo sofrimento e pela dificuldade de respirar, ainda lhe confia João como filho e, na pessoa do evangelista, essa filiação foi estendida a todos nós. "Mulher, eis o teu filho” (Jo 19). Palavra solene, carregada de dor mas de total confiança. Jesus sabe, em todos os momentos, a fé da Sua Mãe. Ainda que desfeita pela morte do Filho, Maria, de pé, como que ressuscitada, confia na promessa: de ti sairá um rebento que será o Salvador.
De facto, a dor da perda do Filho feriu brutalmente o coração de Maria. Porém, a fé que nela habitava, fazia-a crer que a morte de Jesus não seria o fim e acreditava que Deus teria uma resposta para tudo aquilo. Cristo Ressuscitado é a resposta esperada, a confirmação da certeza há muito sabida no coração daquela que nunca deixou de acreditar e que é bem aventurada por todas as gerações.
Santo Inácio de Loyola, nos seus Exercícios Espirituais, leva-nos a contemplar o encontro entre a Mãe e o Filho Ressuscitado. Santo Inácio chama a atenção para a relação dos dois e a sua intensidade, deixando claro que é de se esperar que entre aqueles que tinham tal intimidade e que viviam envolvidos em tal amor, que a primeira aparição de Jesus após Sua ressurreição – ainda que não relatada nos Evangelhos – teria sido à sua Mãe. E é razoável e até inteligente aceitar essa ideia. Não só por Jesus ter sido um bom filho e desejar terminar com a dor da sua mãe, mas pelo mérito próprio de Maria: é justo que aquela que primeiro aceitou fazer a vontade de Deus e que com seu “sim” mudou a história humana fosse a primeira portadora da novidade – a vida venceu a morte!
Ninguém sabe como foi aquele encontro. Ninguém sabe o seu conteúdo. Podemos apenas crer nele e vê-lo com os olhos da fé e da imaginação. É uma contemplação riquíssima: Mãe e Filho livres da dor e do sofrimento, perdidos no tempo a conversar sobre todos os acontecimentos, cheios de alegria, consolo e glória.
A certeza da ressurreição de Cristo não ficou apenas no encontro entre Mãe e Filho. Maria experimenta primeiro a glória de Deus e logo sai em missão: tendo visto o Filho vivo é também portadora da maior notícia já ouvida pelos homens – Jesus está vivo e é preciso trabalhar por Ele dando testemunho da sua ressurreição.
Por isso, naqueles primeiros momentos após a ressurreição de Jesus, Maria vai-se unir aos apóstolos e será de fundamental importância junto do grupo dos amigos de Jesus. Mãe do Mestre e, por consequência, Mãe daqueles homens confusos pela transformação ocorrida em suas vidas, Maria será quem primeiro conduzirá o grupo, fazendo-o compreender a mensagem daqueles dias. Não é por acaso que estará com os discípulos aquando da vinda do Espírito Santo no Pentecostes. O impacto da ressurreição de Jesus na vida da Sua mãe produz um efeito cicatrizante naquele coração ferido e trespassado. Maria será, então, capaz de testemunhar vivamente a experiência daquele que viveu a vitória sobre a morte e, assim, torna-se Mãe da humanidade.
Ela compreendeu o mistério que cercou a ressurreição de Jesus e nos ensina a compreendê-Lo, mostrando a actualidade daquele acontecimento perdido num túmulo de Jerusalém e que continua hoje a acontecer, silenciosa e gloriosamente, em cada vida que renasce, não da morte física, mas da morte do pecado.
Por tudo, a Mãe das Dores, a Senhora da Piedade, é Mãe da Confiança no Ressuscitado. Em seu coração, Maria confia e tem fé: Ela sabe que depressa virá o terceiro dia e como tal permanece fiel até ao fim, até ao extremo. "Feliz aquela que acreditou em tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor!" (Lc 1,45).
“Em Maria a Igreja alcançou a plenitude”
Maria Mãe da Igreja no Pentecostes

Maria é hoje venerada por nós como Mãe da Igreja. Nela, a Igreja alcançou a máxima plenitude porque Ela é Mãe d’Aquele que trouxe plenitude à vida e que é a Cabeça da Igreja, da qual todos somos membros.
Maria é toda relativa a Cristo e, a partir de Cristo, relativa à Igreja. “Maria no mistério de Cristo e da Igreja. Ora, Jesus é o centro do Cristianismo, Maria é central, por ser a pessoa que está mais próxima deste centro. Neste centro devemos entender Maria inserida no mistério salvífico, na economia da Salvação. Maria é a pessoa que Cristo mais ‘incluiu’ na sua obra redentora. Assim se expressa Santo Arquelau, Bispo de Cascar e Diodoris, a Mani, em 277: “Se, como dizes, Cristo não nasceu, também não sofreu, pois o sofrer é impossível a quem não nasceu. Se Ele sofreu, é necessário fazer desaparecer até o nome da Cruz. Suprimindo-se a Cruz, Jesus não ressuscitou dos mortos. Se Jesus não ressuscitou dos mortos, ninguém ressuscitará. Se ninguém ressuscitará, não haverá julgamento, pois é certo que se eu não ressuscito, não serei julgado. Se não deve haver julgamento, é em vão que se há de observar os mandamentos de Deus; não há como nos obrigar a isso: ‘comamos e bebamos, pois amanhã morreremos’. Todas estas coisas se encadeiam para aquele que nega que Jesus tenha nascido de Maria. Se, ao contrário, confessas o nascimento de Cristo de Maria, a Paixão o segue necessariamente; a Ressurreição à Paixão; o Julgamento à Ressurreição; e todos os preceitos da Escrituras estarão salvos. Não se trata, portanto, de uma questão vã. Ela contém muitas coisas nesta única palavra (Theotokos). Como toda a Lei e os Profetas estão contidos no “duplo preceito” [amor a Deus e ao próximo], assim também toda nossa esperança está suspensa no parto da bem-aventurada Maria”.
Depois do evento da morte e da ressurreição, a Mãe solícita e solidária permanece com o grupo dos discípulos e como que o fortalece. De facto, vemos Maria no Cenáculo, no Pentecostes recebendo os dons do Espírito Santo que desceram sobre todos, em forma de línguas de fogo. Desse modo, nascia a Igreja, com a sua vocação apostólica e missionária. E assim Maria foi alçada ao posto de Mãe da Igreja.
Maria está presente nos primórdios da Igreja e ainda hoje a anima, orienta e inspira a sua caminhada. Tal como uma mãe a seus filhos é a grande companheira que segue junto com o povo fiel, paralela a seus passos, segurando as mãos, oferecendo conforto e conselho.
Maria é a mulher que está ligada à vontade salvífica de Deus. Mas a sua riqueza pessoal transcende a sua singularidade. A mãe de Jesus manifesta o amor do Pai, que se dignou assumir o homem exaltando-o por pura graça, pela encarnação do Filho de Deus no seio da Virgem Maria.
Segundo o desígnio divino, Maria forma parte da revelação de Deus à humanidade, unindo, deste modo, a participação activa da Igreja e do homem no acontecimento transcendente da realização da salvação. Maria está inserida no diálogo entre Deus e o homem. A mãe de Jesus aparece entre a aliança do Sinai e a nova e eterna aliança, no tempo em que se desenvolve a pedagogia divina, segundo a qual, a comunicação de Deus ao homem se faz gradualmente.
A sua maternidade sendo um dom, resultado de uma eleição divina, significa que Deus estabelece com Ela uma relação que pode ser descrita em termos de graça. Trata-se da graça da maternidade que afecta a Mãe de Deus (Theotokos), como uma realização natural do seu ser mulher. Desde a sua concepção, Maria está totalmente ligada a Deus, que torna possível que todo o ser desta Mulher se oriente para a geração da Palavra (Verbum, Logos) feita carne. Ela foi criada para esta missão. A obediência é uma manifestação da fé e entende-se como o consentimento e a realização da vontade salvífica de Deus na própria vida; a esperança é a entrega confiada, apesar da obscuridade e da falta de compreensão na vivência dos diferentes acontecimentos, pois Deus sempre cumpre a sua promessa de salvação; a caridade é a característica da missão de Maria relativamente a Deus e ao seu Filho, e a respeito de todos os homens.
A salvação é obra de Cristo, pelo que Maria não o pode substituir. A sua contribuição é de fé, de obediência, de oração, de sofrimento durante a sua vida terrena, e agora, na sua vida celeste, de intercessão materna, que se une à do seu Filho. E isto em ordem a todos os eleitos, como refere a Lumen Gentium: «Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada» (62).
Cristo é o caminho obrigatório, a porta para acolher a salvação (Jo 14, 6). O contributo de Maria para a história da salvação coexiste com a única mediação de Cristo, sem a obscurecer nem limitar, mas manifestando o seu valor e o seu poder. Como afirma o Concílio Vaticano II, a função salvífica da Virgem é cristocêntrica, deriva de Cristo e conduz a Ele, «deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece» (LG, 60).
A experiência de Deus, por parte de Maria, tem como fundamento a sua virgindade, a sua disponibilidade exclusiva para Deus. Trata-se de uma experiência de Deus baseada no despojamento prévio da experiência humana fundamental. Se Maria deu o seu “sim” incondicional à encarnação e a todas as suas consequências — entre as quais se encontra como a mais importante a cruz —, fê-lo em nome de todo o ‘género humano’, dos pecadores, dos que, enquanto tal, recusam a encarnação: «Veio ao que era seu e os seus não o receberam» (Jo 1, 11).
Maria é solidária com todos, precisamente porque foi concebida imaculada e por isso goza de uma infinita capacidade de doação e de amor. Mas se Maria dá o seu sim agradecido ao Salvador que vem, não o faz de modo algum para si mesma, mas, em princípio, por todos aqueles que têm necessidade da “salvação de Israel”. O despojamento de Maria, do qual o seu sim é consequência natural, permite-lhe experimentar o amor misericordioso de Deus, o que nela “fez maravilhas” e cuja “misericórdia se estende de geração em geração”. Maria viveu a condição de humildade que o Senhor exaltará. Ela foi a humilde escrava de Nazaré.
Maria representa toda a nova humanidade pois ela é não só o seio donde nasce o Verbo encarnado, mas também a primeira pessoa da nova criação e, portanto, seio materno do qual brotam os homens e mulheres que, como corpo de Cristo, constituem o novo Povo de Deus a caminho da Salvação.
Maria é Mãe da Igreja porque Mãe de Cristo e Mãe de Deus. Que sejamos alcançados pela sua maternal intercessão.

26 de setembro de 2008

Reitor de Fátima tomou posse



Reitor de Fátima tomou posse
«do coração espiritual do País»

Texto: José António Carneiro*

O padre Virgílio Antunes, tomou posse, ontem de manhã, como Reitor do Santuário de Fátima, que é, segundo as palavras de D. António Marto, «o coração espiritual do País». Numa Eucaristia que decorreu na igreja da Santíssima Trindade, o monsenhor Luciano Guerra passou o testemunho ao novo Reitor, no dia que, também, entrou em vigor o novo Estatuto que estabelece Fátima como Santuário Nacional.
O novo Reitor assumiu que os peregrinos são a «razão de ser» deste local de culto, destinado a responder às aspirações mais profundas da humanidade. Admitindo que Fátima desperta «dúvidas e perplexidades» em «muitas pessoas e sectores», a primeira saudação do sacerdote natural da Batalha serviu para definir o Santuário como um «lugar de afirmação e cultivo da fé cristã, votado a uma especial veneração de Nossa Senhora, centro de convergência de multidões de famintos de Deus e fonte de uma paz duradoura a construir».
A cerimónia foi presidida por D. António Marto, e contou com a presença de três Bispos eméritos, cerca de uma centena de sacerdotes e várias centenas de fiéis, para além de autoridades civis e militares. Além do novo Reitor, tomou posse o novo administrador do Santuário, padre Cristiano Saraiva, e assinalaram-se jubileus sacerdotais de membros do clero da diocese.
O Bispo de Leiria-Fátima desafiou os presentes a fazer do Santuário algo mais do que um «centro de serviços religiosos», destacando que na actual cultura pós-moderna se vive num clima de «eclipse cultural de Deus» mas que é um «tempo providencial para ir ao essencial, ao coração da fé».
O prelado falou também da «projecção mundial» deste espaço, onde passam anualmente mais de cinco milhões de peregrinos, destacando a «relevância da missão» de Fátima em Portugal e no mundo, num momento em que são muitos os que empreendem a «busca de Deus».
Este «coração espiritual do país», acrescentou, é um «símbolo da paz, da reconciliação e da unidade de corações, de povos e de culturas».
D. António Marto destacou os desafios do tempo actual colocados pela «debilidade do pensamento, precariedade dos afectos e relativismo moral», defendendo a necessidade de investir na qualidade e diversificação da oferta dada no acompanhamento dos peregrinos de Fátima.

Novo estatuto
já vigora
O padre Virgílio Antunes será o primeiro Reitor inserido no quadro dos novos Estatutos de Fátima, que fazem deste espaço um Santuário Nacional, facto destacado pelo próprio e pelo Bispo de Leiria-Fátima. O novo Reitor pediu mesmo que este novo Estatuto «seja um grande auxílio para que não faltem ao Santuário os meios humanos, concretamente os sacerdotes necessários, para o seu serviço».
O Reitor lembrou que este novo Estatuto «corresponde à vontade da Santa Sé e dos bispos portugueses, que pretendem deste modo consagrar uma realidade que já era notória», observando que «Fátima ultrapassa muito os confins da diocese de Leiria-Fátima».
Por outro lado, sublinhou a «corresponsabilidade da Igreja em Portugal», de quem espera «um grande auxílio para que não faltem ao santuário os meios humanos, concretamente os sacerdotes necessários para o seu serviço».

Antecessor
em comunhão
A passagem de testemunho aconteceu numa simbólica «entrega das chaves da reitoria» por parte do monsenhor Luciano Guerra. Ao seu sucessor, prometeu acompanhamento na oração, «no pensamento, na palavra, na acção e, se necessário, no silêncio», desejando que possa permanecer no cargo durante «muitos anos».
«Vou entregar-te a ti, meu caro padre Virgílio, não as chaves todas de todas as portas do santuário, o que seria fisicamente impossível, por serem certamente mais de mil, mas a chave do gabinete da reitoria», disse o Reitor cessante.
Ao padre Virgílio Antunes comunicou ainda ter-lhe deixado no gabinete, «como herança e sinal de continuidade», três objectos de culto: um crucifixo, uma estátua do Imaculado Coração de Maria e uma imagem dos beatos Francisco e Jacinta.
Por sua vez, o novo Reitor, referindo-se ao antecessor, destacou que «deixa um notável estímulo para a acção futura», frisando a «dedicação, profundidade, rigor e o espírito de serviço que pôs em toda a acção que desenvolveu» no santuário.
Também D. António Marto deixou ao monsenhor Luciano Guerra uma palavra de gratidão – também em nome do Episcopado português – pelo desempenho na «árdua, nobre e bela missão» de Reitor do Santuário de Fátima, tempo durante o qual o Santuário conheceu «um novo impulso» e que deixa «marcas indeléveis» na história de Fátima.

Programa espiritual
consagrado a Maria
Depois da Eucaristia, na Capelinha das Aparições, o novo Reitor falou de Fátima como um lugar que deixa «apelos de conversão como caminho para a paz pessoal, familiar e universal».
Na sua oração de consagração, ficou claro que o programa espiritual para este novo ciclo inclui elementos presentes desde as Aparições de 1917 – o terço, a paz, a luz, o amor, a conversão dos pecadores – mas também elementos que se têm vindo a afirmar nos últimos anos, em especial a devoção à Trindade, consagrada na nova igreja que toma o seu nome.
O final da oração retomou ideias centrais das Aparições, rezando a Maria para que «seja difundida a vossa mensagem, para que triunfe o vosso coração imaculado, para que encontrem a salvação os vossos peregrinos».

*Com Ecclesia e Lusa

in DM, 26/09/08

25 de setembro de 2008

Acto de agradecimento de Mons. Luciano Guerra, Reitor cessante do Santuário de Fátima


Este é o lugar onde Fátima nasceu, o lugar onde mais e melhor se experimenta a sua verdade.

Por ter sido escolhido por Nossa Senhora, este é o lugar que mais amamos em Fátima. Era aqui que a pequena Jacinta mais gostava de rezar o seu terço. Aqui aconteceu a maravilhosa visão da celeste Senhora mais brilhante que o sol. Aqui os Pastorinhos viram Deus numa luz misteriosa que Maria lhes infundia no peito. Aqui peço eu agora, a todos vós, vos unais ao meu acto de agradecimento.

Mãe! Neste momento, já terminada a missão que aqui me entregastes há trinta e cinco anos, sinto um grande desejo de Vos dizer uma palavra em público: por mim, por todos os meus colaboradores, e por muitos peregrinos, cujo coração bateu e bate, com ternura filial, nesta Capelinha das vossas Aparições. Queremos proclamar a nossa gratidão por nos terdes atraído, a alguns desde muito novinhos, para esta vossa casa da Cova da Iria. Queremos agradecer-Vos as graças, naturais e sobrenaturais, que pudemos receber, pela piedade do vosso Coração materno, não obstante a dureza e infidelidade dos nossos corações.

Obrigado por tantos irmãos e irmãs que sempre estiveram ao nosso lado, e a quem devo muito mais do que talvez eles pensem: os capelães do Santuário, que nomeio com justiça em primeiro lugar; muitos outros sacerdotes; as religiosas e religiosos; os nossos trabalhadores, que são perto de 250; a Associação dos Servitas; as outras associações de voluntários; as instituições que difundem no mundo a vossa mensagem, e servem nos vossos numerosos santuários.

Obrigado pelo apoio dos comerciantes de Fátima, dos hoteleiros, das autoridades, de todos os que velam pelo ambiente desta cidade - que quer merecer o nome de «Cidade da Paz». Obrigado por todos os que preparam o seu futuro, com o cuidado de quem trata das coisas sagradas.

Damo-Vos muitas graças por tantas e tão grandes alegrias que nestes anos nos proporcionastes.

Obrigado por nos terdes ensinado a amar a cruz de Cristo, nas contrariedades e reveses, vencendo as tentações da polémica, da intriga, da corrupção.

A Vós, Padroeira de Portugal, um grande muito obrigado pela fé do nosso bom povo, que a Irmã Lúcia tanto admirava, e pela fé de todos os nossos peregrinos. A sua sinceridade e fervor dão-nos a certeza de que as crises na Igreja são de crescimento, e não de morte.

Obrigado pelo salário que nunca faltou aos trabalhadores do Santuário, cujos filhos fazem o encanto das nossas festas natalícias; e também pela generosidade que nos permitiu construir as estruturas necessárias ao acolhimento e evangelização dos que a Vós acorrem.

Obrigado pela irradiação das nossas dez imagens peregrinas, que congregam multidões no mundo inteiro, em fervorosas assembleias, que as fortalecem na fé e estimulam o zelo dos pastores.

Obrigado, Mãe, pelo dom das lágrimas, que tantas vezes pude contemplar, no meio da multidão e no oásis desta Capelinha: lágrimas de alegria, nas promessas cumpridas; muitas e muitas lágrimas de solidão, clamando por sinais de fraternidade; lágrimas de arrependimento, que proclamam a alegria do perdão.

Enxugai, Mãe bendita, com a doçura do vosso olhar, as lágrimas – vossas e de nossos irmãos – choradas por minha causa, por nossa causa.

Por Vós, pelo vosso Imaculado Coração, unido ao Coração de vosso Filho, nosso Salvador, suba à Santíssima Trindade o meu, o nosso hino filial de acção de graças, por tudo o que fizemos de bem – com uma súplica de perdão, por tudo o que fizemos de mal.

Ó clemente! Ó piedosa! Ó doce Virgem Maria!

Novo Reitor consagra-se a Nossa Senhora de Fátima


Terminada a celebração da Eucaristia e a entrada ao serviço do Santuário de Fátima, impunha-se este breve momento na capelinha das Aparições, o coração deste lugar sagrado.

A partir de 1917, para aqui convergiram muitos milhões de peregrinos que, em Nossa Senhora de Fátima têm uma intercessora privilegiada junto de Deus. A graça deste lugar consiste em não deixar ninguém insensível aos apelos de conversão como caminho para a paz pessoal, familiar e universal.

Neste dia em que, o Bispo de Leiria-Fátima, me conferiu a missão de coordenar a vida deste Santuário, venho como peregrino à Capelinha das Aparições para entregar nas mãos de Maria todas as actividades e projectos futuros.

Aos peregrinos peço a oração por este Santuário e por todos os que nele trabalham, a começar pela equipa sacerdotal que o serve: a fim de que todos sejamos fiéis à mensagem aqui proclamada e generosamente nos dediquemos à causa da sua difusão.

Conscientes de que a mensagem de Nossa Senhora é profundamente evangélica, peçamos a Deus que nos ajude a proclamar aqui de forma abundante a Boa Nova da salvação a todos os povos da terra, pois de todas as latitudes eles acorrem, como as multidões acorriam para ver Jesus. Aqui Maria faz-nos ver Jesus.

Nossa Senhora do Rosário de Fátima

Em 1917, aparecestes neste lugar a três humildes crianças, Lúcia, Jacinta e Francisco,

para falar de paz, de amor e de luz.

Pedistes que aqui se construísse uma capela, ao que o povo respondeu apresssado.

Pedistes que se rezasse o terço, como oração dos pobres,

para que os pecadores se convertessem,

a Igreja de vosso Filho brilhasse como sinal de salvação

e todos em vós encontrassem o aconchego procurado.

Nunca mais deixou de se elevar essa prece confiante neste lugar.

Pedistes que a vós se consagrasse o Mundo, que trilhava caminhos sem saída.

A Igreja Universal acolheu o vosso pedido e entregou-o o vós.

Desde esse tempo memorável,

a vossa imagem branca e a vossa pequena capela

tornaram-se sinal grande e luminoso

que apontam caminhos a percorrer,

em direcção a Deus, Trindade em quem acreditamos, que adoramos e amamos.

Neste dia tão especial, diante da vossa singela capela e da vossa branca imagem,

a vós nos consagramos.

Nas vossas mãos entregamos o vosso santuário,

A vós oferecemos todos os projectos e programas.

A vós suplicamos auxílio e protecção,

Para que seja difundida a vossa mensagem,

Para que triunfe o vosso coração imaculado,

Para que encontrem salvação os vossos peregrinos.

A vós consagramos todos os colaboradores:

Os sacerdotes, os assalariados, os voluntários,

Abençoai as nossas pessoas e todas as nossas acções. Ámen.


Capelinha das Aparições, 25 de Setembro de 2008


Pe. Virgílio do Nascimento Antunes

Que cristianismo no mundo pos-moderno?

"Recordo um jovem que, recentemente, me dizia: "Não me diga que o cristianismo é verdade. Isso me provoca um mal-estar. É diferente do que dizer que o cristianismo é belo...". A beleza é preferível à verdade", escreve Carlo Maria Martini, jesuíta, cardeal, arcebispo emérito de Milão, em artigo publicado no jornal italiano Avvenire, 27-07-2008.

Eis o artigo

O que posso dizer sobre a realidade da Igreja católica, hoje? Deixo-me inspirar pelas palavras de um grande pensador e homem de ciência russo, Pavel Florenskij, que morreu em 1937, mártir da sua fé cristã: "Somente com a experiência imediata é possível perceber e valorizar a riqueza da Igreja". Para perceber e avaliar as riquezas da Igreja, é necessário passar pela experiência da fé.

Seria fácil redigir uma colectânea de lamentações de coisas que não vão bem na nossa Igreja, mas isso significaria adoptar uma visão artificial e deprimente, e não olhar com os olhos da fé, que são os olhos do amor. Naturalmente não devemos fechar os olhos aos problemas. Devemos, contudo, buscar antes de tudo, compreender o quadro geral no qual esses se situam.

Um período extraordinário na história da Igreja

Se, portanto, considero a situação presente da Igreja com os olhos da fé, vejo, sobretudo, duas coisas.

Primeiro, nunca houve, na história da Igreja, um período tão feliz como o nosso. A nossa Igreja conhece a sua maior difusão geográfica e cultural e se encontra substancialmente unida na fé, com excepção dos tradicionalistas de Lefebvre.

Segundo, na história da teologia nunca houve um período tão rico como o actual. Nem no século IV, período dos grandes Padres da Capadócia da Igreja Oriental e dos grandes Padres da Igreja ocidental, como São Jerónimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, não havia uma tão grande floração teológica.
Basta recordar os nomes de Henri de Lubac e Jean Daniélou, de Yves Congar, Hugo e Karl Rahner, de Hans Urs von Balthasar e do seu mestre Erich Przywara, de Oscar Cullmann, Martin Dibelius, Rudolf Bultmann, Karl Barth e dos grandes teólogos americanos com Reinhold Niebuhr - sem esquecer os teólogos da libertação (seja qual for o juízo que façamos deles, agora que lhes vêm prestada uma nova atenção pela Congregação da Doutrina da Fé) e muitos outros que ainda vivem. Recordemos também os grandes teólogos da Igreja oriental que conhecemos pouco, como Pavel Florenskij e Sergei Bulgakov.

As opiniões sobre estes teólogos podem ser muito diferentes e variadas, mas eles certamente representam um grupo incrível, como nunca existiu na Igreja dos tempos passados. Tudo isso se dá num mundo cheio de problemas e de desafios, como a injusta distribuição das riquezas e dos recursos, a pobreza e a fome, os problemas da violência difusa e da manutenção da paz. Particularmente vivo é o problema da dificuldade de compreender com clareza os limites da lei civil em relação à lei moral. Estes são problemas muito reais, sobretudo em alguns países, e são, muitas vezes, objecto de leituras diferentes que geram uma discussão também muito acesa.

Às vezes parece possível imaginar que não todos estamos vivendo no mesmo período histórico. Parece que alguns vivem ainda no tempo do Concílio de Trento, outros no tempo do Concílio Vaticano I. Alguns assimilaram bem o Concílio Vaticano II, outros menos; ainda outros já se projectaram decididamente no terceiro milénio. Não somos verdadeiros contemporâneos, e isso sempre representou um grande fardo para a Igreja e requer muita paciência e discernimento. Mas, no momento, prefiro isolar este tipo de problemas e considerar a nossa situação pedagógica e cultural com as consequentes questões relacionadas com a educação e o ensino.

Uma mentalidade pos-moderna

Para buscar um diálogo profícuo entre as pessoas deste mundo e o Evangelho e para renovar a nossa pedagogia à luz do exemplo de Jesus, é importante observar atentamente o assim chamado mundo pos-moderno, que constitui o contexto de fundo de muitos destes problemas e que condiciona as soluções.
Uma mentalidade pos-moderna pode ser definida em temos de oposições: uma atmosfera e um movimento de pensamento que se opõe ao mundo assim como o conhecemos até agora. É uma mentalidade que se separa espontaneamente da metafísica, do aristotelismo, da tradição agostiniana e de Roma, considerada como sede da Igreja, e de muitas outras coisas. O pensar pos-moderno está longe do precedente mundo cristão platónico onde se dava como certa a supremacia da verdade e dos valores sobre os sentimentos, da inteligência sobre a vontade, do espírito sobre a carne, da unidade sobre o pluralismo, do ascetismo sobre a vitalidade, da eternidade sobre a temporalidade. No nosso mundo de hoje há uma instintiva preferência pelos sentimentos sobre a vontade, pelas impressões sobre a inteligência, por uma lógica arbitrária e a busca do prazer sobre uma moralidade ascética e coercitiva. Este é um mundo no qual são prioritários a sensibilidade, a emoção e o átimo presente.

A existência humana se torna, desta maneira, um lugar onde há a liberdade sem freios, onde a pessoa exercita, ou acredita pode exercer, o seu arbítrio pessoal e a própria criatividade.

Este tempo é também de reacção contra uma mentalidade excessivamente racional. A literatura, a arte, a música e as novas ciências humanas (particularmente, a psicanálise), revelam como muitas pessoas não crêem mais que vivem num mundo guiado por leis racionais, onde a civilização ocidental é um modelo a ser imitado no mundo. Ao contrário, aceita-se que todas as civilizações são iguais, enquanto que antes se insistia na assim chamada tradição clássica. Este tempo também é uma reacção contra uma mentalidade excessivamente clássica. Hoje tudo é colocado no mesmo plano porque não existem mais critérios para verificar que coisa é uma civilização verdadeira e autêntica.

Há uma oposição à racionalidade que é vista como fonte de violência porque as pessoas acham que a racionalidade pode ser imposta enquanto verdadeira. Prefere-se a forma de diálogo e de troca com o desejo de sempre ser aberto aos outros e ao que é diferente, se duvida inclusive de si mesmo e não se confia em quem quer afirmar a própria identidade com a força.

Este é o motivo pelo qual o cristianismo não é acolhido facilmente quando ele se apresenta como a "verdadeira" religião.
Recordo um jovem que, recentemente, me dizia: "Não me diga que o cristianismo é verdade. Isso me provoca um mal-estar. É diferente do que dizer que o cristianismo é belo..." A beleza é preferível à verdade. Neste clima, a tecnologia não é mais considerada como um instrumento ao serviço da humanidade, mas um ambiente no qual se dão as novas regras para interpretar o mundo: não existe mais a essência das coisas, mas somente o uso dessas para um certo fim determinado pela vontade e pelo desejo de cada um. Neste clima, é consequente a rejeição do pecado e da redenção. Diz-se: "Todos são iguais, mas cada pessoa é única". Existe o direito absoluto de ser único e de afirmar a si mesmo. Toda e qualquer regra moral é obsoleta. Não existe mais o pecado, nem o perdão, nem a redenção e, muito menos, o "renunciar a si mesmo". A vida não pode ser vivida como um sacrifício ou um sofrimento.

Uma última característica da pos-modernidade é a rejeição da aceitação de qualquer coisa diz respeito ao centralismo ou à vontade de dirigir as coisas de cima. Neste modo de pensar há um "complexo anti-romano". Estamos agora além do contexto onde o universal, o que era escrito, geral e sem tempo, contava mais; onde o que era durável e imutável era preferido ao que era particular, local e datado.

Hoje a preferência é, pelo contrário, por um conhecimento mais local, pluralista, adaptável às circunstâncias e a tempos diferentes.

Não quero expressar juízos. Seria necessário muito discernimento para distinguir o verdadeiro do falso, do que é dito como aproximação do que é dito com precisão, que coisa é simplesmente uma tendência ou uma moda daquilo que é uma declaração importante e significativa.

O que quero acentuar é que esta mentalidade está, hoje, por tudo, sobretudo nos jovens, e é necessário ter isso em conta.

Mas quero acrescentar uma coisa. Talvez esta situação é melhor da que existia antes. Porque o cristianismo tem a possibilidade de mostrar melhor o seu carácter de desafio, de objectividade, de realismo, de exercício da verdadeira liberdade, da religião ligada com a vida do corpo e não somente da mente.
Num mundo como o que vivemos hoje, o mistério de um Deus não disponível e sempre surpreendente adquire maior beleza; a fé compreendida como um risco torna-se mais atraente. O cristianismo aparece mais belo, mais próximo das pessoas, mais verdadeiro. O mistério da Trindade aparece como fonte de significado para a vida e uma ajuda para compreender o mistério da existência humana.

"Examina tudo com discernimento"

Ensinar a fé neste mundo representa nada mais, nada menos que um desafio. Para sermos capazes disso é preciso ter estas atitudes:

Não sermos surpreendidos pela diversidade.

Não ter medo do que é diferente ou novo, mas considerá-lo como um dom de Deus. Provar que somos capazes de ouvir coisas muito diferentes daquelas que normalmente pensamos, mas sem julgar imediatamente quem fala. Buscar compreender que coisa nos é dito e os argumentos fundamentais apresentados. Os jovens são muito sensíveis para uma atitude de escuta sem julgamentos. Esta atitude dá-lhes coragem de falar que realmente sentem e de começar a distinguir o que realmente é verdadeiro do que o é somente nas aparências. Como diz São Paulo: "Examina tudo com discernimento; conserva o que é verdadeiro; evita toda espécie de mal" (1Ts 5, 21-22).

Sermos capazes de correr riscos. A fé é o grande risco da vida. "Quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perde a sua vida por minha causa, a encontrará" (Mateus 16, 25).

Sermos amigo dos pobres. Coloca os pobres no centro da tua vida porque esses são os amigos de Jesus que se fez um deles.

Alimentar-nos com o Evangelho. Como Jesus nos diz no seu discurso sobre o pão da vida: "Porque o pão de Deus é o que desce do céu é dá vida ao mundo" (João 6, 33).

Oração, humildade e silêncio

Para ajudar a desenvolver estas atitudes, proponho quatro exercícios:

1.- Lectio Divina. É uma recomendação de João Paulo II. "Particularmente é necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, na antiga e sempre válida tradição da lectio divina que propicia que se acolha a palavra viva que interpela, orienta e plasma a existência" (Novo Millennio Ineunte, N. 39). A Palavra de Deus nutre a vida, a oração e a viagem quotidiana, é o princípio da unidade da comunidade numa unidade de pensamento, a inspiração para a contínua renovação e para a criatividade apostólica" (Ripartendo da Cristo, N. 24).

2.- Autocontrole. Devemos aprender, novamente, que saber se opor à vontade própria é algo mais gozoso que as concessões continuas que parecem desejáveis mas que acabam por gerar mal-estar e saciedade.

3.- Silêncio. Devemos nos afastar da insana escravidão do barulho e das conversas sem fim e encontrar cada dia, pelo menos meia hora de silêncio e meio dia cada semana para pensar em nós mesmos, para reflectir e rezar. Isto pode parecer difícil, mas quando se consegue dar um exemplo de paz interior e tranquilidade que nasce de tal exercício, também os jovens tomam coragem e encontram aí uma fonte de vida e de alegria que não experimentaram antes.

4.- Humildade. Não acreditemos que cabe a nós resolver os grandes problemas dos nossos tempos. Deixemos espaço ao Espírito Santo que trabalha melhor do que nós e mais profundamente. Não sufoquemos o Espírito nos outros. É o Espírito que sopra. Portanto, estejamos prontos para acolher as suas manifestações mais subtis. Para isso é necessário o silêncio.

Carlo Maria Martini

Breve análise da Carta aos Colossenses


Notas soltas introdutórias

Colossos era uma pequena cidade da Ásia Menor, entre Éfeso e Laodiceia. Ao que prece, nunca foi visitada por Paulo. Epafras foi o fundador da comunidade.

O tema central da carta é a questão dos anjos. Aqui se encontra a primeira resposta paulina sobre este tema. Paulo atribui as qualidades, poderes e funções (dadas pelo pensamento judeo-gnóstico aos anjos) ao Cristo-cósmico, que tem a primazia na criação e é Filho de Deus.

A carta foi escrita na última parte do ministério Paulino, possivelmente não pela mão do Apóstolo. É uma carta original (temas e vocabulário) dada a originalidade própria da comunidade receptora saída do paganismo.

Perante as crenças esotéricas da comunidade Paulo afirma o carácter único e universal de Cristo mediador entre Deus e os homens

Capítulo 1
Paulo, Apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos irmãos em Cristo, santos e fiéis, que vivem em Colossos: a vós graça e a paz da parte de Deus, nosso Pai. (1, 1-2)
Constituem estes versículos (até 20) uma liturgia epistolar como é hábito nas Cartas de Paulo. A Carta começa com a indicação do remetente (Paulo, que está com Timóteo) e dos destinatários e segue com uma saudação inicial com sabor a uma bênção litúrgica

Agora, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo que é a Igreja. Foi dela que me tornei servidor, segundo a missão que Deus me confiou para vosso benefício: levar à plena realização a Palavra de Deus.
(1, 24-25)
Paulo sofre (está preso), mas, em vez de se deixar entristecer ou abater pelos seus sofrimentos, põe a sua alegria em Cristo, que vive nele, e dedica-se totalmente à Igreja de Cristo. A união pessoal de Paulo com Cristo é personificada em cada um dos cristãos. Carne significa a totalidade do ser do Apóstolo. A missão que Deus me confiou significa literalmente “a economia de Deus”.
Paulo é Apóstolo (servidor = diakonós) para levar o Evangelho aos pagãos até aos confins do mundo e conduzir cada pessoa à perfeição diante de Deus, pela exortação e pelo ensino.

Capítulo 3
Aspirai às coisas do alto e não às da terra. Quando Cristo, a vossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele na glória.
(3, 2.4)
S. Paulo dirige-se a todos os baptizados chamando e exortando a uma vida de comunhão com Cristo Ressuscitado.
Mas agora rejeitai também vós tudo isso: ira, raiva, maldade, injúria, palavras grosseiras saídas da vossa boca. Não mintais uns aos outros, já que vos despistes do homem velho, com as suas acções.
(3, 8-9)
Paulo incita os cristãos a despojarem-se destes vícios (homem velho) e a revestirem-se das cinco virtudes enumeradas no v. 12.
Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência.
(3, 12)
São conselhos positivos deixados por Paulo, em contraste com os vícios anteriores.
E, acima de tudo, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados num só corpo. E sede agradecidos.
(3, 14-15)
O amor assume o topo. É a maior exigência deixada pelo Apóstolo. Exige, inclusive, a gratidão.
E tudo quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele a Deus Pai.
(3, 17)
Aqui está a concretização do modo de se ser agradecidos: “tudo… dando graças”.

Capítulo 4
Senhores, dai aos escravos o que for justo e equitativo, sabendo que também vós tendes um Senhor no céu. Perseverai na oração e mantende-vos por ela, em vigilante acção de graças. Ao mesmo tempo, orai também por nós, para que Deus abra uma porta à nossa pregação, a fim de que eu anuncie o mistério de Cristo – é por ele que estou preso – para que o dê a conhecer, falando como devo. Procedei com sabedoria para com os que estão fora, aproveitando as ocasiões. Que a vossa palavra seja sempre amável, temperada de sal, para que saibais responder a cada um como deveis. De tudo o que me diz respeito informar-vos-á Tíquico, o irmão querido, servidor fiel e meu companheiro no serviço do Senhor. Foi para isso mesmo que eu vo-lo enviei: para que saibais o que se passa connosco e consolar os vossos corações. Vai juntamente com Onésimo, o irmão fiel e querido, que é um dos vossos. Eles informar-vos-ão de tudo o que se passa aqui. Saúda-vos Aristarco, meu companheiro de prisão, bem como Marcos, primo de Barnabé. Recebestes instruções a respeito dele; se for ter convosco, recebei-o bem. (4, 1-10)
Abra uma porta à pregação = ocasião propícia; alusão ao aceso à fé por parte dos pagãos; ou expressão semita que designa as oportunidades do ministério

Temperada de sal = como o sal dá sabor assim devem ser os cristãos no meio da comunidade; fidelidade à identidade de mensageiros do Evangelho;

Tíquico, Onésimo e Aristarco, Marcos e Barnabé = são acompanhantes de Paulo e seus seguidores, uns na pregação, outros nas viagens apostólicas. Alguns aparecem nomeados noutras cartas (Ef, Tm, Tt). Onésimo era escravo de Filémon do qual fugiu para se refugiar junto de Paulo. Aristarco estava preso com Paulo.

(texto apresentado aos Caminheiros do Agrupamento n.º 1 da Sé)

O fundamento da fé: Deus é amor!



Amados, não creiam em qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver se eles procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo.Vocês podem reconhecer o Espírito* de Deus deste modo: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne procede de Deus; mas todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus. Este é o espírito do anticristo,* acerca do qual vocês ouviram que está vindo, e agora já está no mundo. Filhinhos, vocês são de Deus e os venceram, porque aquele que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo. Eles vêm do mundo. Por isso o que falam procede do mundo, e o mundo os ouve. Nós viemos de Deus, e todo aquele que conhece a Deus nos ouve; mas quem não vem de Deus não nos ouve. Desta forma reconhecemos o Espírito* da verdade e o espírito do erro. Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação por nossos pecados.* Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós. Sabemos que permanecemos nele, e ele em nós, porque ele nos deu do seu Espírito. E vimos e testemunhamos que o Pai enviou seu Filho para ser o Salvador do mundo. Se alguém confessa publicamente que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus. Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse amor. Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele. Desta forma, o amor está aperfeiçoado entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele. No amor não há medo; pelo contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor. Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.* Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também a seu irmão.

Eis o fundamento da nossa fé, eis a certeza que nos dá esperança: Deus é Amor!

[A propósito da solenidade de Cristo Rei]

  “Talvez eu não me tenha explicado bem. Ou não entendestes.” Não penseis no futuro. No último dia já estará tudo decidido. Tudo se joga nes...