25 de março de 2010

37.º dia da Quaresma: Anunciação do Senhor: Ajoelhados diante de tão grande mistério


«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».
Lc 1
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Estamos a nove meses do Natal. Hoje Jesus é concebido no seio de Maria, que aceita fazer-se serva do Senhor porque mais do Servo Sofredor. Ajoelhamos diante de tão grande mistério. Na missa de hoje, ao rezarmos, no Credo, “Incarnou pelo Espírito Santo, no seio de Maria”, somos convidados a ajoelhar. O Verbo de Deus desce à humanidade para elevar a humanidade à divindade. Admirável comércio que nos traz a salvação.
O Anjo expôs os desígnios de Deus a Maria e Ela aceitou a vontade do Pai. Deus vem à terra pelo Sim de Maria, que foi escolhida para ser o primeiro sacrário da terra a albergar a divindade.
A incarnação de Deus liga-se à compaixão: Deus vem porque tem uma paixão pelo humano, Deus está apaixonado pelo humano. Parte da sua iniciativa e destina-se à nossa redenção.
Porque este é um admirável mistério de compaixão, e porque o quero contemplar como mistério de salvação, deixo para contemplação as palavras seguintes:

Compaixão

“Compadecido dos errados caminhos dos homens”, humilhou-se a si próprio, tomando a condição de servo e morrendo na cruz, por amor. Em Cristo, Filho de Deus, feito Homem, realiza-se a compaixão na plenitude. O homem retoma a dignidade perdida e, porque infinitamente amado, recria-se o projecto original da relação consigo, com os outros e com Deus. Por um amor sem medida amado, o homem percebe-se coração de carne e, dignificando-se, arremessa para fora o coração de pedra. E dois corações de carne e milhares e milhões de outros, sempre a nascer, e sem conta, até ao fim dos tempos, fazem o mundo possível. Sem compaixão não seria possível vida. Porque não teria paixão nem coração.
Um beijo, um afago, um sorriso, um abraço, um colo, um despojar-se de si, um encontro de bocas e de lágrimas, um hino de ternura cantado nas longitudes da exclusão, uma vida dada para que o outro viva, um perdão sem mais passado, um retorno duma amizade perdida, um ir, sem volta, ao irmão de longe e encontrá-lo e dizer-lhe “aqui estou, por ti”, um morrer de pena e mágoa por não poder ir mais longe nem poder fazer mais, uma inquietante impotência frente à dor e ao sofrimento alheios, um não saber porquê mas saber crer e esperar, um dar tudo sem nada esperar, um da sem nada querer receber, um passar sem passar adiante e parar, reparar e ver, na frente, o irmão, embora rico ou pobre, mas na indisfarçável urgência de ser amado e acolhido e percebido, para além das aparências...ai, que seria o mundo sem compaixão?!
Artur de Matos, in Revista Boa Nova, Março de 2010.

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A Anunciação é uma festa mariana com acento cristológico. Por isso, neste dia, rezo a Maria:
À vossa protecção nos acolhemos
Santa Mãe de Deus
Não desprezeis as nossas súplicas
em nossas necessidades
Mas livrai-nos de todos os perigos
Ó Virgem Gloriosa e Bendita!

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O mistério da nossa reconciliação

A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade. Para saldar a dívida da nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à nossa natureza passível, a fim de que, como convinha para nosso remédio, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, pudesse ser submetido à morte como homem e dela estivesse imune como Deus.
Numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na sua humanidade. Por «nossa humanidade» queremos dizer a natureza que o Criador desde o início formou em nós e que Ele assumiu para a renovar.
Mas daquelas coisas que o Enganador trouxe e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo facto de se ter irmanado na comunhão da fragilidade humana Se tornou participante dos nossos delitos.
Assumiu a forma de servo sem mancha de pecado, elevando a humanidade, não diminuindo a divindade: porque aquele aniquilamento pelo qual o Invisível se fez visível, e o Criador e Senhor de todas as coisas quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não foi uma quebra no seu poder. Por isso Aquele que, na sua condição divina, fez o homem, assumindo a condição de servo fez-Se homem.
Entra portanto o Filho de Deus na baixeza deste mundo, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce, de modo totalmente novo.
De modo novo, porque, sendo invisível em Si mesmo, torna-Se visível na nossa natureza; sendo incompreensível, quer ser compreendido; existindo antes do tempo, começa a viver no tempo; o Senhor do Universo toma a condição de servo, obscurecendo a imensidão da sua majestade; o Deus impassível não desdenha ser um homem passível, o imortal submete-Se às leis da morte.
Aquele que é Deus verdadeiro é também verdadeiro homem; e não há ficção alguma nesta unidade, porque n’Ele é perfeita respectivamente a humildade do homem e a grandeza de Deus.
Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia, nem o homem é destruído com a elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio do Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.
A natureza divina resplandece nos milagres, a humana sucumbe nos sofrimentos. E assim como o Verbo não renuncia à igualdade da glória paterna, assim também a carne não perde a natureza do género humano.
É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repeti-lo – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem.
É Deus, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus; é homem, porque o Verbo Se fez carne e habitou entre nós.
Das Cartas de São Leão Magno, papa (Sec. V)

E continuamos, até ao fim, até ao extremo:
37º dia. Amor de Deus
38ºdia.De mãos dadas
39ºdia.Mar com sabor a canela
40º dia. O que é a verdade
41º dia. Nova Civilização
42ºdia.Partilhasemfamenor
43º dia. Degrau de silêncio
44º dia. Teresa desabafos
45º dia. A Capela

6 comentários:

  1. Admirem-se, oh homens, por tão grande Mistério!
    Deus ama tanto aqueles que criou, que se faz a eles igual.
    Deus ama tanto aqueles que criou, que escolheu Uma entre eles, para n’Ela se fazer igual a eles.
    Deus ama tanto aqueles que criou, que todos os dias se entrega na humildade de um pedaço de Pão, para ser alimento de todos.
    Deus ama tanto aqueles que criou, que todos os dias se faz Carne com eles e neles, na Comunhão Eucarística.
    Deus ama tanto aqueles que criou, que lhes deu uma Mãe inigualável, que na humildade de serva a todos quer ensinar a dizer Sim.
    Deus ama tanto aqueles que criou, que não cessa em todo o momento de chamar um a um ao Seu amor, por saber que só n’Ele o homem encontra a vida.

    Obrigado José António, por esta meditação.

    Abraço amigo em Cristo

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  2. JAC,

    Obrigada por essa partilha,

    abraços fraternos

    Gisele

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  3. "O Verbo se fez carne e veio habitar entre nós"!

    Haverá mistério mais sublime?

    Que Nossa Senhora do Sim nos ensine a dar também o nosso sim, a acolher em nós a Palavra e a fazer dEla em nós, carne da nossa carne, vida da nossa vida.

    Obrigada!

    Abraços no Verbo que veio habitar entre nós.

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  4. Depois de tudo o que li neste post, não me ocorre palavras para cometário.
    Digo apenas, perante tamanho "mistério" só nos resta "ajoelhar"

    E como Maria dizer:
    «faça-se em mim segundo a Tua palavra».

    Abraços.

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  5. JAC
    Grande mistério este, de um Deus vir nascer humano.
    Obrigada pela partilha

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  6. José,

    Quero que saibas que li e reli a tua partilha, mas que nem antes nem agora encontro palavras, ou as certas por onde começar para um comentário, pois venho encontrando algo mais em que reflectir e por isso agradeço e é o que somente cá deixo. E bjs., claro.

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