25 de março de 2011

Deus é meu Pai ou meu Patrão? - Caminhada da Quaresma-Páscoa 2011


Continuamos a querer firmar os nossos passos para depois, com coragem, podermos afirmar a nossa fé.
Mais um passo do nosso caminho. E que belo passo temos hoje. Reforça-se a nossa confiança na certeza de que Deus é Pai de Amor e não nosso patrão.
Conhecemos quase de cor a parábola chamada do filho pródigo, mas que poderá ser chamada, mais correctamente, do Pai Pródigo ou então dos Dois Filhos.
Há uns anos, ouvi o então Padre António Couto, hoje Bispo Auxiliar de Braga, falar deste texto com tanta profundidade e ao mesmo tempo tanta simplicidade e beleza que hoje, apesar de longo, não hesito em partilhar com todos a riqueza da mensagem.


«Temos a grande parábola de Lucas 15. Esta página lucana tem lugar garantido em qualquer antologia dos mais belos textos de todos os tempos.

É a história dos pecadores e dos publicanos, dos escribas e dos fariseus, de que todos temos um pouco. Todos se aproximam de Jesus: os primeiros para o escutar com alegria; os segundos para o criticar com azedume pelo facto de ele receber os primeiros e comer com eles. Há, portanto, aqui um comportamento novo, misericordioso, inclusivo e acolhedor por parte de Jesus. Por isso dele se aproximam os pecadores, até então marginalizados e hostilizados pela tradição religiosa vigente; por isso o criticam os fariseus e os escribas, os garantes da velha tradição religiosa, rigorosa e exclusivista.

A estes últimos conta Jesus uma parábola. (…) Note-se também que, para escutarmos correctamente «esta parábola» de Jesus, é do lado dos fariseus e dos escribas que nos devemos postar, dado que é para eles que Jesus conta a parábola. Para eles e para o nosso lado orgulhoso e exclusivista. É notório que, dado o desenrolar da história contada por Jesus, nos revemos habitualmente naquele filho que sai de casa e que acaba por voltar, sendo recebido por um Pai carinhoso que o espera de braços abertos. Mas, para que a história nos caia em cima, é do outro lado que nos devemos colocar. (…)
Mas já Jesus traz para a cena, sem deixar a audiência respirar, um Pai excepcionalmente maravilhoso e bom, em quem pulsa um imenso coração e vibram entranhas de misericórdia. Tem dois filhos, que nos representam a todos: um claramente pecador, que opta por sair de casa, depois de ter pedido ao pai a sua parte da herança. Note-se que todo o pai dá três coisas aos seus filhos: o pão, todos os dias; roupas novas, nos tempos festivos; a herança, uma única vez na vida, pouco antes de morrer. O pedido deste filho assume, portanto, um imenso dramatismo. Fazendo o pedido que faz, este filho como que mata o pai, ao mesmo tempo que morre como filho! Não quer mesmo mais ser filho nem depender de nenhum pai.
Parte para longe, gasta tudo, torna-se um assalariado desamparado, guarda porcos, vive abaixo de porco (não lhe é sequer permitido comer com os porcos, como os porcos!). É o seu ponto mais baixo. Pensa então em voltar para casa, mas como assalariado, não como filho. É então que a surpresa enche outra vez a cena. Quando nós regressamos a casa, a Deus, nunca encontraremos um Pai distraído, ou que mudou de residência, ou que responde de forma brusca e fria. Está lá sempre à nossa espera, de braços abertos, reabilita-nos como filhos fazendo-nos vestir «o primeiro vestido», o que tínhamos abandonado, o de filhos, faz uma festa, mata o vitelo gordo, prepara um banquete, chama uma orquestra! Alegria excessiva deste Pai pródigo de amor e misericórdia!
É aqui que surge o outro filho, retratado como um bom cumpridor de ordens, um «justo» fariseu, igualzinho aos fariseus «justos» que tinham aparecido no início da história. Tal como estes, também este filho se acha com direitos sobre Deus. Em Deus não vê um Pai, mas um patrão que tem de lhe pagar, pois «nunca transgrediu uma ordem dele». Sempre igualzinho aos fariseus que no início da história citicavam Jesus porque acolhia e comia com os pecadores, também este filho critica o seu pai por acolher e ter tudo preparado para comer com um pecador! O Pai implora-lhe que entre para o banquete da alegria. Mas a história termina sem nos dizer se este filho, que somos também nós, entra ou não entra. Final estratégico. Afinal a história de Jesus foi contada para os fariseus, e nós devemos ter compreendido que devemos tomar lugar ao lado deles, para sermos atingidos em cheio pela história. A história termina sem nos dizer se aquele filho, fariseu, entrou ou não entrou na sala da alegria. Não nos esqueçamos que a história foi contada para nós. É então a nós que cabe tomar a decisão! Como vemos Deus? Como um Pai ou um patrão? E os nossos irmãos são para nos alegrarmos com eles ou para os insultarmos?
É também interessante notar que os dois filhos desta história falam ao Pai, ao seu Pai comum, como fazem os cristãos. Como fazemos nós. Mas em nenhum momento da história se falam um ao outro. Se calhar, também como nós. Só sabemos falar por trás, entre raivas acumuladas e insultos. Parece que também neste aspecto a história de Jesus põe a nossa vida a descoberto!
Por último, a história que ouvimos mostra-nos e adverte-nos que tanto nos podemos perder lá longe, como o primeiro filho, como nos podemos perder em casa, como o segundo filho. Atenção, portanto: podemos andar perdidos em casa, numa casa fria, sem Pai e sem irmãos, sem lareira, sem mesa e sem alegria! Todos os cuidados, portanto!»
Com a devida vénia a D. António Couto, Bispo Auxiliar de Braga

Diante disto, só deixo a caneta e o coração rezar:

Tantas vezes me ausentei
procurando em atalhos
a felicidade verdadeira.

Iludido pensei que a encontrei
mas depressa constatei
que era pura falsidade.

Por terra caído
levanto-me confiante
e volto a Ti de novo.

Esperas-me de braços abertos – bem sei –
volte quando voltar, lá estarás
para me abraçar.

E não ficas por aí:
fazes festa comigo,
festa de encontro e acolhimento
festa de família,
porque és meu Pai
e eu serei sempre Teu filho.

Eis-me aqui sempre de novo.
Pe. JAC

Amanhã ou melhor domingo porque ainda publico este texto na sexta-feira, continuamos com Maria Luiza

14 comentários:

  1. Sua benção padre!

    Salve Maria!
    Feliz esta parábola que nos enche de esperanças por saber que apesar de nossas fraquezas, temos um Pai que nos ama.

    Seu amor paternal não quer apenas nos acolher, mas nos revestir da dignidade de filhos de Deus, por isto Cristo não esqueceu de mencionar que lhe foram restituídas as vestes, as sandálias e o anel.

    A medida que voltamos para casa, ou seja, neste caminho de conversão que é a nossa vida, toda vez que diante de Deus reconhecemos nossos pecados e desejamos voltar, Ele nos cobre de dignidade, nos enche de bens eternos (virtudes e dons). A nós basta-nos seguir seus passos e obedecê-lo; humildemente como Nossa Senhora, sem muitos questionamentos, mas com muita fidelidade.

    E na medida que nos reconciliamos com Deus, na medida que vivemos os Sacramentos da Santa Igreja, estamos a nos preparar para um dia estarmos diante sua visão beatífica.

    *Passei por aqui hoje pq amanhã não poderei estar aqui, por isto adiantei um passo na caminhada.


    Fiquemos com Deus!

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  2. Fico-me a pensar qual dos filhos eu serei neste momento.
    E com uma reflexão tão profunda sinto-me pecadora simplesmente, seja qual a identidade que tome como filho o pródigo ou o outro.
    Sabendo que o Pai é infinitamente bom
    Dou graças a Deus
    Abraço fraterno
    Utilia.

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  3. Sua benção padre!
    Essa parábola nos deixa uma lição sobre os filhos um que sai e volta arrependido pedindo acolhida ao Pai e o outro que sofre pelo ciúme, o filho que se vai é imagem da pessoa que se rebela, se afasta de Deus. Perde-se mas uma certeza, porém, garante a recuperação da identidade original: o reencontro com o Pai.
    Que possamos sempre estar junto ao Pai e nunca separadamos, para sempre poder receber a graça.
    Paz e Bem!!
    Abraço fraterno

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  4. Sr. Pe. JAC, boa tarde,
    Uma Parábola sublime que o Senhor nos ofereceu apelando-nos à Reconciliação. Perdoar, perdoar, perdoar e aceitando "fazer festa" como o Senhor nos ensina quando me entrego deveras ao Amor misericordio deste Deus que nunca nos abandona e que nos quer sentados à Sua mesa. Isto só fará sentido se a minha reconciliação e conversão interiores forem verdadeiras.
    "porque és meu Pai
    e eu serei sempre Teu filho.
    Eis-me aqui sempre de novo.".
    Muito obrigada por nos mostrar o verdadeiro Amor de Deus.
    Abraço fraterno.
    Ailime

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  5. olá , padre zé António , tudo bem ??
    sabes antigamente não percebia bem o significado desta parábola ,depois conforme fui amadurecendo na fé , fui entendendo melhor o seu significado ,, e é bom saber que por muitas coisas que a gente faça o nosso pai [Deus] nos receberá sempre de braços abertos ..
    gostei da tua partilha ...

    beijinhos ..

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  6. Olá Padre Jac
    Estou mais ou menos como a utilia, não sei que filha sou, sei apenas que O quero seguir apesar dos meus erros, dos meus avanços, dos meus recuos.
    Obrigada pela reflexão que me fez entender ainda melhor esta parábola que nem sempre foi muito bem entendida por mim.
    Abraço em Cristo e Maria

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  7. Pe JAC,

    maravilhosa reflexão.Muitas vezes me vejo com o filho pródigo, outras como o irmão, mas com uma única certeza quero estar sempre na presença do Pai, que nos acolhe em seu amor infinito,

    abraços fraternos

    Gisele

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  8. Como Dulce e Utilia, ainda não sabem qual filho, eu penso que eu seja o segundo. O dito "bonzinho" que faz tudinho ao pai, que fica com ele mas tem inveja, tem ciúmes e não entende a própria indignação ao ver a atitude do pai! Sempre tive vontade de ser o filho pródigo, para me sentir mais amada. No fundo ambos, assim como eu possuem o pai amoroso e misericordioso e sempre apaixonado. E nisso niguém leva vantagem. Abraço fraterno!

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  9. Uma forma diferente de interpretarmos este texto Bíblico.
    Mas o que retemos é o amor misericordioso do Pai para com (connosco) os filhos, mesmo que nos percamos lá longe ou em casa.

    Obrigado, Pai, porque nos esperas, porque fazes festa com o nosso regresso, com a nossa conversão.

    Bom Domingo

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  10. Padre Jac,

    Nunca é demais chamar esta parábola 'à cena' que nos dá tanto para reflectir, e, muito oportuna no tempo da Quaresma.
    É excelente o texto que nos trouxe e fica difícil o comentário quando nos deparamos com os desamores desta história que representa bem os das nossas vidas e histórias pessoais, em contraste depois, com o Amor do Pai. Puríssimo Imenso.

    Fico-me portanto a rezar a sua oração que me enche de ânimo, de muita esperamça e alegria. Sim, que o irmão - justo - irmão, queira festejar com toda a alma, o regresso do que estava perdido. Que ambos se encontrem no amor do Pai, e juntos, cantem Aleluias e Glórias ao Senhor!

    Boa Quaresma e um abraço em Cristo e Maria.

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  11. Pe Jac,

    Caminhando na Quaresma e me deparo com essa parábola e a pegunta.Deus é meu pai ou meu patrão?
    Não sei exatamente em qual o caso eu me ancaixo, ou se me encaixo nos dois, o que sei, é que tenho um pai amoroso, que apesar de não ser merecedora, está sempre a me perdoar e me amparar.
    Preciosa partilha rumo á Páscoa do Senhor.

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  12. Deus acolhe-nos sempre… não interessa quantas vezes caímos, interessa que aceitemos a Sua ajuda para nos levantarmos…, não interessa quantas vezes caminhamos com passos menos certos ou por caminhos que Ele não tinha sonhado para nós, interessa que acertemos os nossos passos com os d’Ele e que O sigamos…
    Nós somos a Sua alegria quando nos reconhecemos frágeis, mas capazes.
    Ele é o nosso colo pronto, acolhedor e seguro… é Pai!

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  13. Que dizer, que não tenha sido já dito!

    Perdão, Senhor, tem compaixão, porque se por vezes sou como o filho mais novo, muitas vezes também me porto como o filho mais velho.

    Obrigado Pe José António pela profunda reflexão.

    Um abraço amigo em Cristo

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  14. A fé, em poesia... sentida, contemplada, de horizonte rasgado... a poesia de quem O ama.

    gostei do teu espaço viritual =)

    até logo

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