9 de outubro de 2008

O caçador que se tornou presa

Para a luz do dia despertou em Tarso. O pai conferia-lhe o estatuto de “cidadão romano”. Bebeu da sabedoria de Gamaliel. Aprendeu a fabricar tendas. Religiosamente, tornou-se um judeu fervoroso. Era irrepreensível na observância da lei. Tinha um carácter decidido. Ostentava a garra de um verdadeiro líder. No horizonte desenhava-se para ele um futuro risonho.
Depressa se tornou bem conhecido, esse Saulo, empreendedor, de formação esmerada, zeloso.
Assistiu à delapidação do diácono Estêvão. E queria mais. Afinal, essa nova seita que ia proliferando, estava a desestabilizar, a provocar o judaísmo, a gerar rupturas no tecido social e religioso do povo da ancestral aliança. Imagine-se que até já existiam cristãos na cidade de Damasco, na Síria, a 200 km de distância da Palestina.
E Saulo põe-se a caminho, para obviar a tremenda calamidade.
É então que Deus o intercepta. E lhe pede que não mais O persiga.
Saulo torna-se Paulo. O atacante torna-se presa. O caçador torna-se caça (como bem sublinha Carlos Mesters, na sua obra Paulo Apóstolo). O perseguidor atravessa três dias de cegueira, para ressuscitar homem novo.
Considera então como “lixo” as honras do passado. Mais do que confiar no que faz por Deus, confia agora no que Deus faz para ele. Mais do que “justificar-se” pelas obras, mergulha agora na gratuidade do amor de Deus.
Conduzido, não pela tradição ou pela lei, mas pelo Espírito («Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim»), torna-se missionário itinerante, o Evangelho a rasgar sulcos e a frutificar na Ásia Menor e na Europa, a Igreja a crescer, o coração da Igreja a dilatar-se numa universalidade que derruba barreiras entre judeus e gregos, homens e mulheres, escravos e homens livres…
E o Espírito de Deus acompanha-o nas perseguições, nas torturas, nas ameaças de morte, nas acusações, nos tribunais, nas prisões.
Para a posteridade ficaram 14 cartas, espólio precioso que o Novo Testamento conserva, tantas vezes presentes nas nossas celebrações.
Paulo foi um verdadeiro apóstolo, uma testemunha eloquente, um herói. E um mártir. Aos 62 anos de idade, abriram-se para ele as portas do céu. A espada que o dizimou eclipsou-se. Só se vê agora a coroa da glória que Deus lhe ofereceu, juntamente com a felicidade eterna.
Estando nós a viver o Ano Paulino, proclamado recentemente pelo Papa Bento XVI; sendo o lema pastoral da nossa Arquidiocese, para o presente ano, “Encontrados pela Palavra”, não será de reflectirmos sobre a vida e escritos de São Paulo?!
Votos de um bom ano pastoral para todos, sob a protecção de Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe, também ela encontrada pela Palavra.

(texto)Cónego José Paulo Abreu
Vigário-Geral da Arquidiocese de Braga

in DM, 09/10/08

2 comentários:

  1. A propósito, recomendo a leitura do "Paulo, um homem inquieto, um apóstolo insuperável" do padre Jerome Murphy-O'Connor.

    Simplesmente brilhante.

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  2. Marco

    Qual é a editora?
    Está em espanhol?

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