12 de julho de 2011

Família, torna-te aquilo que és!

Nos dias 1, 2 e 3 de Julho estive em Coimbra, no Mosteiro de Santa Clara a Nova, a fazer as pregações da Festa da Rainha Santa Isabel.
Partilho algumas linhas das minhas pregações:

Escolhemos para este primeiro dia de pregação a temática da família. Trata-se de um “tema nunca esgotado, apesar de vivermos mesmo num mundo secularizado”, como escreveu D. António Marcelino.
Gostaria de a olhar na sua essência e natureza, mas deixando o desafio premente que João Paulo II, já deixava na Familiaris Consortio: “Família, torna-te aquilo que és”.
É comummente aceite que a família é base da sociedade é o tecido estruturante e fundante de qualquer sociedade. A família é fundamento de qualquer comunidade humana.
É bem verdade que as mudanças culturais, sociais e económicas são vertiginosas nestes tempos em que vivemos. Todavia, há coisas que não mudam, e ainda bem, tal como a família.
Disse o Bispo Emérito de Aveiro: “Há coisas que não mudam, mesmo que muitas coisas mudem ou pareçam mudar à sua volta. É o caso da família. Mudaram algumas das suas tarefas tradicionais; mudou o estilo de relação no interior do agregado familiar; surgiram novas oportunidades de intervenção de ordem social e política; alargou-se o fenómeno associativo; a opinião pública deparou-se com uma série de leis referentes à instituição familiar, enquanto tal; deu-se um decréscimo significativo do número de casamentos na Igreja, sempre que se deparou com a indissolubilidade do vínculo conjugal, numa sociedade que reage a compromissos que comportam exigências de permanência; experimentou-se o confronto com outras situações e expressões familiares; viveu-se a evolução, não paralela, de filhos que acederam a uma escolaridade alargada e de pais pouco alfabetizados…
Porém – caros amigos, devotos da Rainha Santa – apesar de todas as convulsões sociais e de leis que a pretexto de pluralismo e direitos individuais, pretendem atingir a instituição familiar, perduram e continuam na família riquezas intocáveis, que constituem o reduto da maior riqueza do país.”
Apesar de muitos reconhecerem a necessidade de se investir na família, na sua defesa, sabendo que aí passam os caminhos de solução para ultrapassar muitos problemas, tantas vezes assistimos a graves e directos ataques ao coração da instituição familiar. Perante todos os ataques à família, a Igreja, perita em solidariedade, não pode cruzar os braços e lamentar-se. Como dizia Bento XVI, na recente visita à Croácia: “Somos chamados a contrastar esta mentalidade”.
E o estado das coisas, meus amigos, é escuro:
Quando temos idosos mortos e a morrer, sozinhos e fechados nas suas habitações, durante dias, meses e muitos anos… algo não vai bem!
Quando temos e vemos uma cultura da violência em meio escolar, tão grave e horrenda, como as que vimos todos ainda há pouco tempo… algo não vai bem!
Quando tempos políticas para matar humanos e não as vemos, nem de perto nem de longe, para apoiar a natalidade… algo não vai bem!
Em 1995, o Papa João Paulo II, na encíclica “O Evangelho da Vida”, já apontava a “impressionante multiplicação e agravamento das ameaças à vida das pessoas”. “Este panorama inquietante – escrevia o Papa – longe de diminuir, tem vindo a dilatar-se”. E as coisas mantêm-se na mesma batuta!
Grave, caríssimos irmãos, no meio de tudo isto é o facto de esses atentados à vida e à dignidade das pessoas e das famílias não serem vistos e entendidos, numa larga consciência colectiva, como crimes, para assumir paradoxalmente o carácter de direitos.
Caso emblemático disto mesmo, dentro do nosso pequeno Portugal, é a despenalização do aborto que, tal como os dados que vão sendo publicados manifestam, se tratou e trata mais de uma liberalização, com poucas fronteiras e poucos limites.
Se não, como se explica que desde que entrou em vigor a nova legislação a mesma mulher possa ter feito 10 abortos? E quem financiou isto? Sabem todos a resposta!
E depois pensar e dizer que a “pretensa” despenalização do aborto, conforme a nossa legislação, é um sinal de progresso e de conquista da liberdade pessoal é assustador. Um Estado, um País, uma Nação que paga para matar humanos e que é tão “forreta” – permitam-se dizer assim – a ajudar e a subsidiar famílias que optam e querem ter filhos.
No mesmo documento, João Paulo II notava já este contra-senso: “na época em que se proclamam solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma publicamente o valor da vida humana, o próprio direito à vida é praticamente negado e espezinhado, particularmente nos momentos mais emblemáticos da existência como são o nascer e o morrer”. 
E não adiantará muito buscar fundamentações para o direito ao aborto. Alguns tentam justificar o aborto, defendendo que o fruto da concepção, pelo menos até um certo número de dias, não pode ainda ser considerado uma vida humana pessoal.
Na realidade, porém, «a partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é a do pai nem a da mãe, mas sim a de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca mais se tornaria humana, se não o fosse já desde então. Desde a fecundação, tem início a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades, já presentes cada uma delas, apenas exigem tempo para se organizar e encontrar prontas a agir”.
Meus amigos: as políticas e todas as legislações que se opõem à família, à vida, à natalidade, à defesa dos mais frágeis são atentados ao futuro social e colectivo de qualquer sociedade. E a Igreja não pode calar. Não nos podemos resignar.
Permiti-me registar, contudo, alguns sinais, no que respeita à questão da família e natalidade, que constam do agora conhecido programa do actual Governo português. A promoção de um debate nacional sobre a questão do aumento da taxa de natalidade na sociedade portuguesa e a inversão da tendência de queda dessa taxa de natalidade, por meio de apoio à família nos primeiros anos da criança, são alguns pontos que todos esperamos ver mais além do papel, ver executados naquilo que é a vida concreta e diária das famílias portuguesas.
Nós vivemos numa era de relativismo. A todos os níveis. A ética não é excepção. Alguns, não poucos, pensam que apenas este relativismo garante e consagra a tolerância, o respeito recíproco. Ao invés disso, as ditas normas morais consideradas objectivas conduzem ao autoritarismo e intolerância. Mas, em todos os tempos, a moral é farol que ilumina a vida das pessoas.
Não há muito tempo, o agora nomeado Bispo da vossa diocese de Coimbra, D. Virgílio Antunes apontava o dedo a alguns “lóbis que sob a capa da modernidade” promovem posições contrárias à família e à Igreja.
O então Reitor do Santuário de Fátima, dizia que, na sociedade actual, as famílias são alvos de ataques e “grandes campanhas”. Utilizou mesmo a figura de Herodes para caracterizar todos os que se levantam para matar a família.
Em San Marino, durante um encontro com os membros do governo local, no passado dia 19 de Junho, o Papa Bento XVI destacou a importância de reconhecer a família como principal sujeito para fazer amadurecer pessoas livres e responsáveis, no contexto actual em que esta instituição é tantas vezes colocada em xeque.
O Papa afirmava que “os que sofrem as consequências são os grupos sociais mais frágeis, especialmente as jovens gerações, mais vulneráveis e por isso mais facilmente expostas à desorientação, a situações de auto-marginalização e à escravidão das dependências”.
Neste sentido, constata-se que, “diminuindo o apoio familiar”, frequentemente os jovens se vêem diante de muitos obstáculos “para uma normal inserção no tecido social”.
Por isso, “é importante reconhecer que a família, assim como Deus a constituiu, é o principal sujeito que pode favorecer um crescimento harmonioso e fazer amadurecer pessoas livres e responsáveis, formadas em valores profundos e perenes”.
Nós precisamos hoje de fortalecer a família. Aí está o caminho para curar muitos males da sociedade. Nós não precisamos de medidas paliativas para a família. Não podemos pactuar que ela entre em lenta e profunda agonia. Precisamos de revigorá-la, anima-la e dar-lhe alento.
Tal como João Paulo II, sabemos que “a família cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho da vida, principalmente através da educação dos filhos. Pela palavra e pelo exemplo, no relacionamento mútuo e nas opções quotidianas, e mediante gestos e sinais concretos, os pais iniciam os seus filhos na liberdade autêntica, que se realiza no dom sincero de si, e cultivam neles o respeito do outro, o sentido da justiça, o acolhimento cordial, o diálogo, o serviço generoso, a solidariedade e os demais valores que ajudam a viver a existência como um dom.”
Deixo desafios alinhados por D. António Marcelino. Diz ele: “Quando penso no tipo das sessões de preparação para o casamento no templo, na celebração festiva do mesmo, nas propostas de acompanhamento dos casais novos e dos casais já menos novos que procuram realizar a sua vocação matrimonial e parental, no acolhimento devido aos casais que vivem novas formas de convivência conjugal e dos que enfrentam especiais dificuldades no seu dia-a-dia, na situação dos membros mais velhos da família, muitos deles isolados nas suas casas e pensar, também, nos idosos, eternamente silenciosos, que enchem os lares, fico a reflectir sobre caminhos novos de uma renovação pastoral que traduzam com realismo a desejada acção da Igreja em prol das famílias”.
Precisamos, enquanto Igreja, de estar atentos a esta cultura de morte que vai abafando a cultura da vida. Os cristãos têm obrigação e missão de se consciencializaram dos graves atentados que continuam a acontecer diariamente à vida humana e à família.
Nós precisamos de cristãos a tempo inteiro, assumidos, conscientes. Não precisamos de cristãos a prazo, nem “das nove até às cinco”, nem de cristãos de conveniência e cristãos de circunstância.
Precisamos de cristão íntegros, grandes, porque para sermos grandes temos que ser inteiros.
Olhai, caros amigos, que na defesa da família e na defesa da fé cristã, a Rainha Santa Isabel refulge como exemplo e modelo. Nela podemos sempre reaprender a dar à família o valor que tem por natureza e por essência.
A sua extraordinária capacidade de apaziguar ânimos e contendas dentro e fora da sua família. As suas muitas virtudes de esposa fiel, de mãe atenta, amorosa e carinhosa, de mulher solícita em todos os momentos. Só a título de exemplo, recordar a bela lição de Santa Isabel que, na lenta agonia de D. Dinis, quis, ela mesma, tratar e cuidar do seu marido…
Tantos ensinamentos urgentes para o tempo de hoje. Um tempo onde as pessoas deixaram de se comprometer com o que quer que seja, um tempo onde a palavra “fidelidade” se esvaziou de sentido e de empenho pessoal.
Um tempo em que a família vai perdendo tanto, tantas oportunidade de vitalidade, de dinamismo, de alegria, de comunhão, de partilha, de amor…
Minhas irmãs e meus irmãos: que a Rainha Santa Isabel nos ensine a valorizar a família e nos ajude a assumir os nossos compromissos em relação à defesa da vida, em todos os momentos e circunstâncias.
Do Céu Ela intercede por nós ajudando-nos a enfrentar as agruras do tempo presente e a vivê-lo com esperança de futuro, sabendo que Cristo está connosco até ao fim dos tempos.
Pe. JAC

1 comentário:

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