12 de julho de 2011

Caridade cristã, virtude fulcral em tempos de crise


Debruço-me hoje sobre uma das virtudes teologais: a caridade!
Não é novidade para ninguém que vivemos tempos críticos. Tempo de profundas crises. Vemos e ouvimos falar com a frequência de todos os noticiários televisivos e radiofónicos, em todas as estações e canais, e de todas as edições de imprensa escrita de crise e, em especial de crise económica. Parece que já não é dia se não ouvimos algo sobre a crise!
Pois bem: é verdade que a economia é um âmbito da vida das pessoas. Mas não é o único âmbito e nenhuma vida se resume à economia!
O que também é verdade é que o tão badalado termo “crise”, etimologicamente, indica um estágio de alternância, o qual, uma vez percorrido, as coisas diferenciam-se daquilo que costumavam ser. Não existe uma possibilidade de retorno aos antigos padrões. Em si mesma, portanto, crise é uma oportunidade, uma graça, para pensarmos melhor e prepararmos melhor o futuro.
Face ao cenário escuro e tenebroso de crise económica que vamos vivendo, deixai que vos diga, meus amigos, que o Evangelho, o Cristianismo, a Igreja e os Cristãos poderão e deverão ter um papel preponderante de iluminação, de indicação de novos caminhos, de afirmação da esperança, e acima de tudo de manifestação de sinais visíveis e concretos de uma caridade criativa e reinventada.
A exemplo da Rainha Santa Isabel também podemos, nos nossos dias, com mais ou menos bens, com mais ou menos dinheiro, viver a caridade, com tudo o que isso significa.
Não se trata, meus amigos, de uma “caridadezinha”, não se trata de sentirmos “pena” dos pobres e dos excluídos, não se trata de os olharmos como “coitadinhos”. Nada disso. Trata-se de vivermos o Evangelho, na sua radicalidade de boa notícia para todos os homens e mulheres, em especial para aqueles para quem a Palavra, o Verbo de Deus se fez carne. Não foi para os sãos e para os bons que Jesus veio ao mundo, foi para os pequeninos, para os doentes e para os pecadores. É para esses, que também somos nós, que tem que de dirigir a mente e o coração, as palavras e as acções, todos os cristãos, de toda a Igreja, de toda a sociedade.
O Papa Bento XVI dizia recentemente que a acção cristã caritativa “não é apenas uma acção filantrópica, ainda que útil e com mérito”, mas é uma “forma privilegiada de evangelização, à luz do ensinamento de Jesus”.
De facto, é Cristo que nos ensina a ser caridosos e solidários, em tantos ensinamentos, por palavras e por gestos. Deixai que vos diga que também a Rainha Santa Isabel, que de uma forma singular viveu a caridade, aprendeu na escola de Cristo.
A caridade cristã vai além da ajuda material, porque “torna visível a misericórdia infinita de Deus para cada ser humano”.
Esta caridade, diz Bento XVI, consiste em “harmonizar o nosso olhar com o olhar de Cristo, o nosso coração com o coração de Cristo. Desta maneira, o apoio amoroso, oferecido aos demais, traduz-se em participação e em partilha consciente das suas esperanças e dos seus sofrimentos”.
Não estaremos a ser fiéis ao Evangelho se não vivermos a caridade, tal como a Rainha Santa Isabel a viveu e exerceu. “Nós sabemos que a autenticidade da nossa fidelidade ao Evangelho verifica-se também com base na atenção e solicitude concreta que manifestamos ao próximo, especialmente os mais frágeis e marginalizados”, diz Bento XVI.
Viver a virtude da caridade é uma urgência no mundo em que estamos. Além disso, não poderemos esquecer que até a nossa devoção à Rainha Santa Isabel exige de nós o esforço, o compromisso, o empenho, por vivermos a caridade e em caridade. Os cristãos têm que ser testemunhas da esperança neste tempo de crise difundida e generalizada.
Atravessamos uma grave crise de humanidade, de valores. Creio também que a resolução das crises – da económica e de todas as outras – passa por dar atenção aos cidadãos, às pessoas, à Pessoa, na sua unicidade e dignidade sagrada e inviolável.
Por isso, meus amigos, é necessário que saibamos todos “gerir” o melhor património do país que são as pessoas, tal como escrevia recentemente D. António Marcelino, bispo emérito de Aveiro. “O mais importante património a ser bem gerido, são as pessoas concretas: crianças, jovens, adultos e mais idosos; saudáveis, doentes e com deficiências; da cidade, do litoral ou das aldeias do interior; empregadores, trabalhadores e desempregados; residentes, emigrados e imigrados; gente letrada ou apenas de letras gordas”.
E especificava o Prelado: Pessoas para acolher com respeito, para reconhecer as suas capacidades, para propor medidas concretas de apoio e promoção, para proporcionar igual reconhecimento de direitos e deveres. Pessoas, valor incalculável que dá sentido a tudo o que é património histórico, cultural, religioso, artístico. Nada que tenha valor, o tem à margem das pessoas”.
É fundamental que cada pessoa tenha consciência de que somos sociedade e que o caminho da construção de um mundo melhor deve assentar na ideia da solidariedade e do bem comum. Por isso mesmo, a busca do bem-estar individual e pessoal não deve e não pode sobrepor-se à busca do bem comum.
Em tempos de crise, que atinge fortemente os mais pobres, afectando os poucos recursos da sua subsistência, são cada vez mais necessárias “pessoas plasmadas pela atitude da caridade”.
“Mesmo que não sejam ricas em bens materiais, a sua atitude aberta e solidária com os mais pobres, é criadora de confiança e de esperança naqueles que sofrem e provoca neles uma reacção positiva, necessária para vencer as crises que os afectam e não desanimar por isso”. 
Em 2009, o Papa Bento XVI lançou a terceira encíclica do seu pontificado e dedicou-a às questões sociais, dando-lhe o sugestivo título “Caridade na Verdade”.
Nela, o Papa diz que o amor – caritas – é uma força extraordinária que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz.
Para Bento XVI, Jesus Cristo testemunhou com a sua vida a caridade na verdade, tornando-a a principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira.
Nós sabemos que a caridade é a via mestra, trave mestra, da doutrina social da Igreja. Esta doutrina social, iniciada pelo Papa Leão XIII, mas que brota já do Evangelho, proclama a verdade do amor de Cristo.
O Santo Padre afirma que é necessário conjugar a caridade com a verdade. Trata-se da verdade na caridade e da caridade na verdade. A verdade é luz que dá brilho e valor à caridade. Sem verdade a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, sem nada. A verdade liberta a caridade.
A caridade na verdade ganha forma e acção na justiça. E chega mesmo a superar a justiça, porque amar é dar, oferecer aquilo que é “meu”; mas nunca existe sem a justiça, que leva sempre a dar ao outro o que é “dele”, o que lhe pertence.
Não posso “dar” ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é justo para com ele. Por isso, a justiça é inseparável da caridade.
A caridade na verdade também ganha forma e acção na busca e defesa do bem-comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar pelo bem comum, ou seja o bem daquele “nós-todos”, onde nos inserimos. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência da justiça e da caridade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais.
O amor na verdade é um grande desafio, caros amigos. A partilha dos bens e recursos não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (Rm 12,21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades.
A Igreja não tem soluções técnicas e nem cabe a ela tê-las. A Igreja também não pretende imiscuir-se na política. Mas ela tem uma missão a cumprir a favor de uma sociedade à medida do ser humano, da sua dignidade e da sua vocação. Por isso ela indica o caminho da caridade na verdade.
Minhas irmãs meus irmãos: precisamos de redescobrir a caridade como a maior virtude, tal como nos diz S. João. Acima de tudo precisamos de a ter como virtude e atitude fulcral nestes tempos difíceis de crise que vamos vivendo.
Sabemos, até pelo Evangelho, que as necessidades e a pobreza de tantos homens e mulheres do nosso tempo nos interpelam: é o próprio Cristo que, nos pobres, nos indigentes, nos marginalizados, nos pede que saibamos aplacar a sua fome, a sua sede, os visitemos nas prisões, nos hospitais.
O conhecido discurso de Mateus sobre o juízo final é sinal alerta para todos os cristãos. Nós sabemos, que no fim de contas seremos medidos com a medida que medirmos, seremos julgados – como dizia S. João da Cruz – pelo amor.
Com Bento XVI, acredito que a caridade é capaz de provocar uma autêntica revolução e uma mudança permanente na sociedade. Como Cristo, vivendo para servir – quem não vive para servir, não serve para viver – podemos dar ao mundo subjugado pela desesperança e pela derrota razões para viver.
A Rainha Santa Isabel ensina-nos a moldar o nosso coração ao jeito e ao modo do de Cristo, para vivermos a caridade e em caridade.
Do Céu, ela também nos desafia e intercede por nós para sermos fortes e valentes na vivência da caridade, num mundo tão sedento de gestos e sinais concretos e visíveis de amor, de caridade. 
Sejamos testemunhas do amor de Deus, em particular por aqueles que são os seus predilectos: os pequeninos, os simples e os pobres.
Ser cristão, ser devoto da Rainha Santa também passa pela nossa vivência da caridade. Ousemos sê-lo neste tempo.
Pe. JAC

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