Qual é o Filho que o texto nos revela? Revela-nos este Filho,
como acentua a voz: “Este é o Filho”, o Jesus que se encontra entre vós, que
vós, que vós conheceis, tão delicado, acessível, atraente e simultaneamente tão
frágil, vulnerável, humilhado. O Filho é Jesus, que falou do sofrimento e da
morte, cujo rosto apavorado contemplareis em Getsémani, empalidecido pela morte
sobre a cruz. Este é o meu Filho; este é o ressuscitado, o luminoso, o
glorioso. É difícil unir estes dois rostos, e, todavia, este único rosto é o
Filho predilecto do Pai, que se aventura até á morte e que reflecte glória até
ofuscar os próprios inimigos. É um mistério que nunca conseguiremos compreender
completamente, a não ser no céu, e oscilaremos sempre entre os dois
conhecimentos.
O Pai é-nos revelado como Aquele que diz “Escutai-O!” e que
tem a coragem de revelar-Se neste Filho aparentemente contraditório para nós,
porque débil e forte, frágil e poderoso, humilhado e glorioso. “Escutai-O”,
isto é, suportai o duplo rosto do Filho, não vos deixeis desviar do seu rosto
triste nem iludir pelo seu rosto glorioso. Somente na contemplação dos dois
rostos, que na realidade é um, vereis o mistério do Pai que se revela na
justiça e na misericórdia, no poder e na condescendência. Somos assim
introduzidos naquele conhecimento sublime no qual a Igreja é chamada a
progredir ao longo dos milénios mas que ainda não atingiu passados os dois mil
anos. Espantamo-nos ao pensar como é possível que só nos últimos decénios a Teologia
esteja a aprofundar o dogma da Trindade; é conhecido na sua história
descritiva, mas continua escondido este rosto misterioso do Pai, do Filho e do
Espírito.
Aprofundando o entusiasmo de
Pedro, sentimo-nos solicitados a estender esta expressão a toda a vida cristã:
“É belo estar aqui”, é belo pertencer a Cristo. (...) Descubro aqui o vosso
carisma para o terceiro milénio: proceder de modo a que os outros achem bela a
vossa vida e sejam levados a desejar participar da vida das vossas comunidades.
A outra reacção, que temos, de
reverência pelo divino, impele-nos a manter o olhar fixo sobre Jesus ainda
quando o seu rosto se esconde, como na noite da fé, noite que, provavelmente,
estamos a viver na sociedade ocidental europeia. Manter o olhar fixo sobre Jesus
com reverência, ainda que a nuvem se torne obscura. Por isso, devemos aceitar o
entusiasmo e o temor, o alvoroço e a reverência, (...) sabendo que continuamos
a contemplar o rosto de Cristo, presente mesmo na noite e na obscuridade.
Carlo Maria Martini
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