23 de março de 2010

Nossa Senhora da Soledade: Passos de Cristo em Águeda

Nestas celebrações destes três dias que pretendem reafirmar e reforçar a nossa fé em Jesus Cristo, morto, ressuscitado e vivo entre nós, olhamos hoje, em particular, a Mãe, a Senhora das Dores, a mulher atenta e solícita às dores e sofrimentos de quantos se abrem e confiam na misericórdia, na protecção, na compaixão e providência de Deus.
O relato das Bodas de Caná, que ouvimos proclamar, é o nosso contexto para olharmos esta figura singular da história da salvação, como Mulher e Mãe, intercessora e medianeira de todas as graças. Este episódio mostra-nos claramente como a Mãe de Jesus actua junto daqueles que dela necessitam. Ele é verdadeiramente Mãe de clemência e de misericórdia.
S. João começa por dar conhecimento da presença da Mãe de Jesus, do próprio Jesus e dos seus discípulos na festa do casamento.
Maria, a dado passo, percebe que o vinho está para acabar e por isso, cheia de zelo e de prestimosa caridade, observa a Jesus: “Não têm vinho” (Jo 2, 3). Para evitar que os anfitriões passem vergonha diante dos convidados, pede a seu Filho o milagre. Com discrição, mas certa de que Ele o é capaz.
Este pedido de Maria a Jesus traduz a sua relação maternal com a humanidade. Amor materno que antevê a aflição dos filhos, que procura diminuir-lhes o sofrimento, que quer desde sempre dar-lhes o que de melhor puder dar.
Diz a este respeito o Beato José Maria Escrivã: “É próprio de uma mulher [mãe] e de uma solícita dona de casa notar um descuido, prestar atenção a esses pequenos detalhes que tornam agradável a existência humana: e foi assim que Maria se comportou”. É assim que Maria intercede junto de Deus pela humanidade, como se dissesse constantemente: “eles não têm mais vinho”, sugerindo ao Senhor que dê, de novo, aos homens e mulheres daquele tempo e de todos os tempos, a alegria perdida no meio dos seus sofrimentos e tribulações.
A resposta de Jesus à sua Mãe, à primeira vista, poderia parecer dura, mas só àqueles que não possuem uma verdadeira e completa compreensão da Escritura. Disse Ele: “Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora”. (Jo 2, 4).
Ora, analisando melhor a resposta de Jesus, podemos ver como ela é, de facto, elogiosa para Maria. Em primeiro lugar, convém lembrar que Ele a chamou de “mulher”, também no Calvário, dizendo do alto da Cruz: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19, 26).
Além disso, chamando-a de “mulher”, Ele fala como Deus fala às suas criaturas. Mas, ainda mais importante do que isso, Jesus chama sua Mãe de “mulher”, para que todos reconheçam nela aquela “mulher” que profetizou no Génesis, quando amaldiçoou a serpente ou a “mulher” relatada no Apocalipse.
Voltando àquela festa de Caná, Maria adverte os serventes: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). E é ensinando àqueles homens que fiquem atentos ao movimento do seu Filho que Maria se torna também intercessora de Deus junto da humanidade. O milagre, o sinal de Caná, não aconteceria se os serventes não ouvissem e obedecessem ao que Jesus lhes indicaria. Por isso, era necessário que um canal de comunicação se abrisse entre a divindade e a humanidade. E, em Caná, Maria foi essa via comunicadora de vida nova que age movida por uma “caridade preventiva”.
Maria pediu o milagre por caridade e de imediato dá aos servos um conselho que serve para todos nós: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Por este motivo a Igreja a chama de Mãe do Bom Conselho, Mãe que continuamente nos comunica bons conselhos e aspirações.
Vendo as nossas aflições e respondendo com o pedido de que façamos o que Jesus disser, Maria torna-se intercessora de Deus, medianeira. Tal como em Caná, o milagre nas nossas vidas não poderá acontecer se não tivermos olhos e ouvidos abertos para fazer o que o Senhor nos diz. Com Deus, participamos do milagre de fazer vida nova no mundo e é Maria quem nos conduz nesse mistério de amor e construção.
As Bodas de Caná revelam-nos esta Mãe solícita e atenta, presente e actuante na vida dos homens. Com as palavras do poeta Dante, na “Divina Comedia”, rezo a Maria, intercessora e medianeira que continue a ser o que sempre foi: Mulher e Mãe!

Mulher, és tão grande e tanto vales
que, quem graça e a ti não recorre,
seu desejo é o de voar sem ter asas.
A tua benignidade não só socorre
a quem pede, mas muitas vezes,
generosamente, ao pedir, precede.
Em ti, misericórdia, em ti, piedade,
em ti, magnificência, em ti se reúne
tudo quanto na criatura há de bondade!
(Dante Allighieri, Divina Comedia, Paradiso, XXXIII,13-21)

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