30 de setembro de 2008

Reflexões marianas

Maria a Menina, a Mãe e a Mulher da Solidariedade

Maria de Nazaré é uma presença especial e inultrapassável da História da Salvação, esta história do enamoramento de Deus pela humanidade. Nela, Maria é escolhida, desde toda a eternidade, para ser a Mãe do Filho do Altíssimo e com isso ser Mãe do próprio Deus.
Maria age totalmente confiada no Senhor Deus: tudo em Maria depende da graça de Deus, ela que é a agraciada por excelência, concebida imaculada.
Nestas reflexões vamos olhar para Maria a menina, a mãe e a mulher da solidariedade. Ela foi realmente a primeira discípula de Jesus que veio ao mundo, no seu seio para salvar e passou fazendo o bem. Maria é exemplo de solidariedade para todos quantos a veneramos como a Mãe de Deus e a Nossa Mãe.


“Faça-se em mim segundo a vossa vontade”
A Senhora na Anunciação na Visitação e no Nascimento


“Faça-se em mim segundo a vossa vontade”. Este é o harpejo confiante que ecoa de Maria, a menina de Nazaré. Funciona como programa de toda a sua vida; o cumprimento da vontade de Deus é a sua missão primordial. Ela é escolhida desde toda a eternidade, vocacionada por Deus que fez dela o primeiro sacrário da terra a albergar a divindade.
O anúncio do Anjo à menina de Nazaré, no dizer de Bento XVI, marca o início de um novo tempo para o povo de Deus, pois é o cumprimento do Antigo Testamento com a abertura do caminho para o Reino de Deus à luz da Boa Nova, para toda a Humanidade. De facto, a Anunciação do anjo a Maria marca o início da Redenção humana. Com seu “sim”, Maria divide a história da humanidade em antes e depois, em velho e novo. Ao aceitar o projecto de Deus, Maria insere-se definitivamente na aliança de Deus com seu povo: através dela o Filho de Deus se fará homem e se fará presente e actuante em seu tempo e por toda a eternidade.
Maria, como sabemos, era uma jovem adolescente, simples e virgem, prometida a José, um carpinteiro descendente da casa de David. Perturbou-se ao receber do Arcanjo aquela estranha saudação: “Salve, cheia de graça”. Diz o Bispo S. Sofrónio a respeito de tal palavra, num Sermão sobre a Anunciação: “que pode haver de mais sublime do que esta alegria, ó Virgem Maria? […] Nada se pode comparar com a maravilha que em Vós se contempla, nada há que iguale a graça que possuís”. D. Hélder Câmara diz, sobre a graça que Maria recebe, numa poesia:
Gratia plena
Teu Filho nasceu
e continuas grávida
cheia de graça
cheia de Deus.
(D. Hélder Câmara, 1962. www.amaivos.com.br)

Maria é, de verdade, cheia de Deus e o Pai dependeu do seu consentimento para realizar o Mistério da nossa Redenção, por meio de seu Filho Jesus.
A Virgem Maria aceitou, demonstrando toda confiança no Senhor Deus e se fez Instrumento Divino nos acontecimentos proféticos. Mas teve de perguntar como seria possível. A pergunta não tem o intuito de contestar, mas de saber como seria feito, e o que deveria fazer. A jovem menina de Nazaré consegue perceber, nas palavras do mensageiro, a certeza da presença de Deus. Assim, abre o seu coração e seu corpo ao extraordinário, àquilo que assombrará a humanidade por gerações: seu corpo virgem gerará uma vida – mistério insondável de Deus, revelação suprema do Seu poder em tornar possível o impossível aos olhos humanos. Por isso, Maria responde ao chamamento com a mesma simplicidade da sua vida e fé: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa vontade” (Lc1,38).
Com esta resposta, Maria aceitou dignamente a honra de ser mãe do Filho de Deus, mas ao mesmo tempo também aceitou os sofrimentos, os sacrifícios que estavam ligados a esse sim, que tem a “marca do eterno e do definitivo” no dizer do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.
É extremamente interessante notar que, depois do Espírito Santo fecundar Maria, conforme as palavras do Anjo, Ela se coloque a caminho para ir visitar a sua prima, grávida na sua velhice.
Maria partiu apressadamente para a casa de Isabel (Lc 1, 39) e já sabia, do diálogo com o anjo do Senhor, que também Isabel esperava um filho (Lc 34-37). Devemos entender o gesto da jovem menina que visita a mais velha como um gesto de serviço. Mas, podemos imaginar aquelas duas mulheres sentadas à beira do fogo, descansando dos afazeres, a partilhar seus sentimentos, como que procurando entender o que lhes estava a acontecer, louvando a Deus que tudo pode, cúmplices de um mistério que só os seus corações e ventres eram capazes de entender. E Maria comprova assim a sua vida de solidariedade, de serviço, de amor: não está só no dar coisas materiais a verdadeira solidariedade. Maria não dá coisas, dá-se a si mesma, por companheira, por ouvinte. Isto é possível para quem confia totalmente no Senhor e para quem se sente pequeno, dependente e frágil. Comenta São Francisco de Sales: “Na Encarnação Maria humilha-se confessando-se a serva do Senhor... Porém, Maria não fica só na humilhação diante de Deus, pois sabe que a caridade e a humildade não são perfeitas se não passam de Deus ao próximo. Não é possível amar a Deus que não vemos, se não amamos os homens que vemos. Esta parte realiza-se na Visitação”.
Esta solidariedade da menina, da mãe e da mulher que é Maria concretiza-se também no nascimento de Jesus no presépio de Belém. Ao partir com José para Belém, para fazer o recenseamento que o imperador havia decretado terminam os dias e Jesus nasceu. Colocado na manjedoura, por não haver lugar na hospedaria – estranho destino de Deus que não tem lugar no mundo que vem salvar – envolveram-No em faixas. De repente, o céu encheu-se de luz – a Luz nasceu, veio ao mundo – e pastores começaram a aparecer para visitar aquele Menino.
Naqueles primeiros dias de vida de Jesus, muitos terão acorrido à gruta de Belém: pastores e reis, ricos e pobres, gente de lugares e costumes diferentes. E ali, junto ao Menino, uma figura silenciosa tudo via, tudo guardava, tudo agradecia: Maria, a jovem mãe, que a todos acolhia e com todos partilhava seu maior segredo – o filho de Deus!
Dividida entre os afazeres primeiros de uma mãe e as tantas pessoas que queriam ver o Menino, Maria ainda meditava: o que significava tudo aquilo? O que Deus lhe estava a dizer através do rumo daqueles acontecimentos? Numa hora chegavam simples pastores; noutra, reis do Oriente. Podemos imaginá-la ora serena, ora assustada. Ora cúmplice de José na descoberta dos desígnios de Deus para aquela família. Ora apoio do mesmo José aquando da difícil decisão de deixar a terra natal para viver no Egipto em nome da segurança do seu Filho. Está, pois, totalmente entregue às maravilhas de Deus, totalmente entregue aos sentimentos da maternidade. Totalmente entregue a seu Filho e Senhor.
A mãe do Menino soube ouvir profecias e oferecer sacrifícios como mandava a lei do seu povo. A mãe soube ser Mãe da humanidade inteira nos primeiros momentos da vida humana de Jesus: a todos permitiu chegar perto, a todos permitiu também ver as maravilhas. Intercessora desde o primeiro instante, abriu caminhos, deu acesso. Totalmente mulher, totalmente entregue à humanidade por seu Filho.
No entanto, o inesperado aconteceu: o Filho amado de Maria vai embora, parte para o mundo, para fazer as coisas de Seu Pai. Primeiro encontrará João, o primo que baptiza nas águas do rio Jordão e, confirmada a sua Missão, sairá pelas estradas da Palestina a pregar, a curar e a transformar a vida das pessoas que Lhe cruzam o caminho.
E a Mãe? A mãe ficará em casa, sem conhecer o seu destino, mas sabedora de Sua Missão. Acompanhará em silêncio a jornada de Seu Filho. Alegrar-se-á com a firmeza dos Seus passos. Será cúmplice das Suas palavras. No seu íntimo, a Mãe experimenta um misto de sentimentos: orgulho, medo, insegurança, consolação... No seu íntimo, descobre-se uma vez mais filha de Deus, fiel à vontade do Pai, serva do seu Senhor.
Jesus parte mas terá Maria como presença constante. A mãe ensinou-Lhe a estar no meio dos homens, ensinou-Lhe a ler, a escrever. A mãe contou-Lhe histórias sobre aquele povo e sua caminhada à procura da Terra Prometida e sobre a sua espera do Messias. A mãe falou-Lhe do sofrimento daquela gente humilde, ensinou-Lhe a compadecer-Se dela e a estar ao serviço, sempre.
Um e outro experimentarão o vazio e a saudade da presença física. Um e outro experimentarão a alegria de se saberem fazedores da vontade do Pai. Um e outro experimentarão a cumplicidade por entenderem o convite do seu Deus. Um e outro marcarão definitivamente a vida da humanidade. O Filho parte, mas deixa com a Mãe a certeza de que Ela o preparou para a Missão maior. A Mãe fica, mas o Filho leva no seu coração todas as palavras, todo o ensinamento, toda a lembrança dos dias de Nazaré que a Mãe dedicou ao Seu crescimento e formação. Um e outro unidos para sempre na construção do Reino de Deus junto à humanidade.
Esta é Maria, a Menina, a Mãe e a Mulher que vive a solidariedade em todos os momentos. Na sua escola, temos, hoje, muito a aprender.





















“Não têm vinho”
Maria nas Bodas de Canã

A aceitação de Maria como intercessora da humanidade junto a Deus vem da sua própria participação na vida pública de Jesus. Em especial, o episódio das Bodas de Caná, nos mostra claramente como a Mãe de Jesus actua junto àqueles que dela necessitam. Ele é Mãe de clemência e de esperança, como cantávamos.
S. João começa por dar conhecimento da presença da Mãe de Jesus, do próprio Jesus e dos seus discípulos na festa do casamento. Eles eram os membros do povo judeu, fiéis à revelação e à lei mosaica. Eles eram os restos fiéis do povo eleito.
Maria, a dado passo, percebe que o vinho está para acabar e por isso, cheia de zelo e de prestimosa caridade, observa a Jesus: “Não têm vinho” (Jo 2, 3). Para evitar que os anfitriões passem vergonha diante dos convidados, pede a seu Filho o milagre. Veladamente, mas certa de que Ele o é capaz. Este pedido de Maria a Jesus traduz a sua relação maternal com a humanidade. Amor materno que antevê a aflição dos filhos, que procura diminuir-lhes o sofrimento, que quer desde sempre dar-lhes o que de melhor puder dar. Diz o Beato José Maria Escrivã: “É próprio de uma mulher [mãe] e de uma solícita dona de casa notar um descuido, prestar atenção a esses pequenos detalhes que tornam agradável a existência humana: e foi assim que Maria se comportou”. É assim que Maria intercede junto a Deus pela humanidade, como se dissesse constantemente: “eles não têm mais vinho”, sugerindo ao Senhor que resgate aos homens e mulheres a alegria perdida no meio dos seus sofrimentos e os conduza à felicidade e à salvação.
A resposta de Jesus à sua Mãe, à primeira vista, poderia parecer dura mas só àqueles que não possuem uma verdadeira compreensão da Escritura. Disse Ele: “Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora”. (Jo 2, 4).
Ora, examinando-se melhor a resposta de Jesus, podemos ver como ela é, de facto, elogiosa para Maria. Em primeiro lugar, convém lembrar que Ele a chamou de “mulher”, também no Calvário, dizendo do alto da Cruz: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19, 26), como veremos adiante.
Chamando-a de “mulher”, Ele fala como Deus fala às suas criaturas. Mas, ainda mais importante do que isso, Jesus chama sua Mãe de “mulher”, para que todos reconheçam nela aquela “mulher” que profetizou no Génesis, quando amaldiçoou a serpente dizendo: “Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar”(Gn 3, 15) ou então a “mulher” que esmagou a cabeça da serpente, como relata o Apocalipse, ao consentir o nascimento do Menino, o Filho de Deus. E assim como de Cristo se disse bem propriamente “Eis o Homem” (Ecce Homo), assim também é próprio dizer da Virgem Maria Mãe de Deus “Eis a Mulher” (Ecce Mulier), aquela que possui as duas perfeições mais importantes da “Mulher”: ser Mãe e ser Virgem.
Depois, voltando àquela festa de Caná, Maria irá advertir os serventes: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). E é ensinando àqueles homens que fiquem atentos ao movimento de seu Filho que Maria irá tornar-se também intercessora de Deus junto à humanidade. O milagre não aconteceria se os serventes não ouvissem e obedecessem ao que Jesus lhes indicaria adiante. Por isso, era necessário que um canal de comunicação se abrisse entre a divindade e a humanidade. E, em Caná, Maria foi essa via comunicadora de vida nova que age movida por uma “caridade preventiva”.
Se Maria pediu o milagre por caridade material, Ela imediatamente dá aos servos do noivo um conselho que serve para todos nós: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Por este motivo também, não é sem razão que a Igreja a chama de Mãe do Bom Conselho. Não só ela foi Mãe do Conselho de Deus Altíssimo, como é Mãe que continuamente só nos comunica bons conselhos e aspirações.
Vendo nossas aflições e respondendo com o pedido de que façamos o que Jesus nos disser, Maria se torna intercessora de Deus junto da humanidade. Essa frase afirmativa aproxima o homem do desejo de Deus de tê-lo perto do mistério divino. Tal como em Caná, o milagre não poderá acontecer se não tivermos olhos e ouvidos abertos para fazer o que o Senhor nos diz. Com Deus, participamos do milagre de fazer vida nova no mundo e é Maria quem nos conduz nesse mistério de amor e construção.
Esta Mãe solícita e atenta, presente e actuante na vida dos homens, que é Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, foi ornada com os versos do poeta Dante, na sua Divina Comedia:
Mulher, és tão grande e tanto vales
que, quem graça e a ti não recorre,
seu desejo é o de voar sem ter asas.
A tua benignidade não só socorre
a quem pede, mas muitas vezes,
generosamente, ao pedir, precede.
Em ti, misericórdia, em ti, piedade,
em ti, magnificência, em ti se reúne
tudo quanto na criatura há de bondade!
(Dante Allighieri, Divina Comedia, Paradiso, XXXIII,13-21)




“Eis o teu filho”
As dores de uma Mãe


A solidariedade de Maria adquire a expressão mais dramática na “hora” dramática de Jesus: a morte na cruz. Aos pés da cruz, vislumbramos a Senhora trespassada pela dor. Mas, toda a vida de Maria é atravessada pela dor e, por isso, a veneramos e louvamos na terra como Mãe das Dores. É um título que nós dificilmente daríamos às nossas mães, embora todas experimentem o sofrimento e a dor. Mas, em Maria, o sofrimento foi um componente da sua vida, da compaixão com o seu Filho Jesus, o Homem das dores (Is 53).
O sofrimento de Maria, com e por Jesus, começou muito cedo. Logo no nascimento de Jesus: não encontraram hospedaria, nem acolhida. E São José, teve que procurar, nas cercanias e arredores de Belém, uma gruta para abrigo. Coube ao Filho de Deus feito homem nascer num lugar onde os animais eram recolhidos durante a noite. É claro que o coração da Mãe deve ter sofrido muito com isso.
Algum tempo depois, quando Jesus teria 2 anos de idade, Herodes empreende uma perseguição feroz contra Ele. Por ocasião da visita dos Reis Magos, sabendo que Jesus era o Messias, decide matá-lO. Maria e José fogem para o distante e desconhecido Egipto, terra da qual nem sequer conheciam a língua, levando consigo o Menino Jesus. Uma viagem longa, difícil, sofrida. Maria empreende-a por amor e pela segurança do seu Filho.
Aos 12 anos, Jesus sobe a Jerusalém para a festa da Páscoa, na companhia dos pais. Ao invés de voltar com eles, fica no templo. O sofrimento de Maria, diante da perspectiva de tê-lO perdido, lembra-nos a profecia de Simeão: "Uma espada de dor vai atravessar o teu coração, por causa desse Filho" (cf. Lc 2,34-35). Essa espada começava a sua trajectória, até ao mais íntimo do coração da Mãe. Ao terceiro dia, finalmente, encontram-nO. No meio dos doutores, discutindo, ensinando, perguntando, Jesus exercia a função de quem estava "na casa do próprio Pai".
A vida oculta de Jesus em Nazaré foi também, de certa maneira, um sofrimento para Maria. Se Ele era o Messias, como entender esse silêncio de quase 30 anos? Mas, um certo dia, Jesus anuncia-lhe a sua partida, para realizar a missão pela qual viera ao mundo: pregar o Evangelho. Ela deve ter aderido a essa missão imediatamente. E acompanhou seu Filho, desde a primeira pregação até à última palavra no alto da Cruz.
Maria, certamente, alegrou-se muito quando ouviu os ensinamentos de Jesus. No entanto, sofre ao perceber a repulsa à mais bela proposta de felicidade, hoje consubstanciada nos Evangelhos. Por mais que a linguagem do Filho tenha sido extraordinariamente bela e transcendente e, ao mesmo tempo, humanamente acessível, sempre havia quem se lhe opusesse. As autoridades, os fariseus, os chefes, os escribas, os doutores, procuravam constantemente alguma coisa para contradizê-lO e acusá-lO. Possivelmente, já sabiam que Ele era o Messias e não se contentavam apenas em persegui-lO, propondo-Lhe armadilhas, quando Ele pregava. Começaram a conspirar para matá-lO.
Maria vivia na ansiosa expectativa de quando e como isso ocorreria, até que Jesus se dirigiu ao Horto das Oliveiras. Ela deve ter acompanhado, de longe, seu Filho que sofria, antevendo a própria Paixão e Morte, em terrível agonia. Nessa mesma hora, Jesus é preso e levado ao Sinédrio. Condenado por esse júri forjado, foi logo levado à flagelação e coroação de espinhos.
Foi grande o sofrimento de Maria, ao ver o sangue de Jesus verter sobre a terra, a escorrer pelos lajedos daqueles lugares tétricos, onde eram supliciados os réus, ou os inocentes, injustiçados como Ele. Maria recolhe esse sangue, herdado dela, mas que, unido à Pessoa do Pai pelo Filho, se torna sangue divino e redentor.
Maria assiste, na manhã seguinte, à triste cena da condenação oficial de Jesus por Pilatos, que lava as mãos em sinal de covarde omissão.
Logo depois, começa a triste marcha para o Monte Calvário, a trajectória da Via Crucis, a via do sofrimento último. Nas curvas desse caminho, a Mãe deve ter encontrado o Filho. Por breves trocas de olhares, Ela O conforta, assegurando-lhe que está com Ele. Embora sem levar a cruz ao ombro, como o Cireneu, Ela carrega com Ele todo o seu sofrimento, até à consumação pela morte. Mas, também o Filho a conforta porque Ele vai “renovar todas as coisas” (Ap)
Durante a crucifixão, cada pancada, pregando com cravos as mãos e os pés do Filho, era um golpe no coração da própria Mãe. A agonia durou três horas. Jesus, levantado na cruz, pendente entre o céu e a terra, com os braços abertos como um arco-íris de paz sobre o mundo, exclamou: "Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Nessa cena, São João descreve Maria de pé, junto à Cruz, jamais deixando-se abater, nem pelos mais insuportáveis sofrimentos. Jesus, já quase sufocado pelo sofrimento e pela dificuldade de respirar, ainda lhe confia João como filho e, na pessoa do evangelista, essa filiação foi estendida a todos nós. "Mulher, eis o teu filho” (Jo 19). Palavra solene, carregada de dor mas de total confiança. Jesus sabe, em todos os momentos, a fé da Sua Mãe. Ainda que desfeita pela morte do Filho, Maria, de pé, como que ressuscitada, confia na promessa: de ti sairá um rebento que será o Salvador.
De facto, a dor da perda do Filho feriu brutalmente o coração de Maria. Porém, a fé que nela habitava, fazia-a crer que a morte de Jesus não seria o fim e acreditava que Deus teria uma resposta para tudo aquilo. Cristo Ressuscitado é a resposta esperada, a confirmação da certeza há muito sabida no coração daquela que nunca deixou de acreditar e que é bem aventurada por todas as gerações.
Santo Inácio de Loyola, nos seus Exercícios Espirituais, leva-nos a contemplar o encontro entre a Mãe e o Filho Ressuscitado. Santo Inácio chama a atenção para a relação dos dois e a sua intensidade, deixando claro que é de se esperar que entre aqueles que tinham tal intimidade e que viviam envolvidos em tal amor, que a primeira aparição de Jesus após Sua ressurreição – ainda que não relatada nos Evangelhos – teria sido à sua Mãe. E é razoável e até inteligente aceitar essa ideia. Não só por Jesus ter sido um bom filho e desejar terminar com a dor da sua mãe, mas pelo mérito próprio de Maria: é justo que aquela que primeiro aceitou fazer a vontade de Deus e que com seu “sim” mudou a história humana fosse a primeira portadora da novidade – a vida venceu a morte!
Ninguém sabe como foi aquele encontro. Ninguém sabe o seu conteúdo. Podemos apenas crer nele e vê-lo com os olhos da fé e da imaginação. É uma contemplação riquíssima: Mãe e Filho livres da dor e do sofrimento, perdidos no tempo a conversar sobre todos os acontecimentos, cheios de alegria, consolo e glória.
A certeza da ressurreição de Cristo não ficou apenas no encontro entre Mãe e Filho. Maria experimenta primeiro a glória de Deus e logo sai em missão: tendo visto o Filho vivo é também portadora da maior notícia já ouvida pelos homens – Jesus está vivo e é preciso trabalhar por Ele dando testemunho da sua ressurreição.
Por isso, naqueles primeiros momentos após a ressurreição de Jesus, Maria vai-se unir aos apóstolos e será de fundamental importância junto do grupo dos amigos de Jesus. Mãe do Mestre e, por consequência, Mãe daqueles homens confusos pela transformação ocorrida em suas vidas, Maria será quem primeiro conduzirá o grupo, fazendo-o compreender a mensagem daqueles dias. Não é por acaso que estará com os discípulos aquando da vinda do Espírito Santo no Pentecostes. O impacto da ressurreição de Jesus na vida da Sua mãe produz um efeito cicatrizante naquele coração ferido e trespassado. Maria será, então, capaz de testemunhar vivamente a experiência daquele que viveu a vitória sobre a morte e, assim, torna-se Mãe da humanidade.
Ela compreendeu o mistério que cercou a ressurreição de Jesus e nos ensina a compreendê-Lo, mostrando a actualidade daquele acontecimento perdido num túmulo de Jerusalém e que continua hoje a acontecer, silenciosa e gloriosamente, em cada vida que renasce, não da morte física, mas da morte do pecado.
Por tudo, a Mãe das Dores, a Senhora da Piedade, é Mãe da Confiança no Ressuscitado. Em seu coração, Maria confia e tem fé: Ela sabe que depressa virá o terceiro dia e como tal permanece fiel até ao fim, até ao extremo. "Feliz aquela que acreditou em tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor!" (Lc 1,45).
“Em Maria a Igreja alcançou a plenitude”
Maria Mãe da Igreja no Pentecostes

Maria é hoje venerada por nós como Mãe da Igreja. Nela, a Igreja alcançou a máxima plenitude porque Ela é Mãe d’Aquele que trouxe plenitude à vida e que é a Cabeça da Igreja, da qual todos somos membros.
Maria é toda relativa a Cristo e, a partir de Cristo, relativa à Igreja. “Maria no mistério de Cristo e da Igreja. Ora, Jesus é o centro do Cristianismo, Maria é central, por ser a pessoa que está mais próxima deste centro. Neste centro devemos entender Maria inserida no mistério salvífico, na economia da Salvação. Maria é a pessoa que Cristo mais ‘incluiu’ na sua obra redentora. Assim se expressa Santo Arquelau, Bispo de Cascar e Diodoris, a Mani, em 277: “Se, como dizes, Cristo não nasceu, também não sofreu, pois o sofrer é impossível a quem não nasceu. Se Ele sofreu, é necessário fazer desaparecer até o nome da Cruz. Suprimindo-se a Cruz, Jesus não ressuscitou dos mortos. Se Jesus não ressuscitou dos mortos, ninguém ressuscitará. Se ninguém ressuscitará, não haverá julgamento, pois é certo que se eu não ressuscito, não serei julgado. Se não deve haver julgamento, é em vão que se há de observar os mandamentos de Deus; não há como nos obrigar a isso: ‘comamos e bebamos, pois amanhã morreremos’. Todas estas coisas se encadeiam para aquele que nega que Jesus tenha nascido de Maria. Se, ao contrário, confessas o nascimento de Cristo de Maria, a Paixão o segue necessariamente; a Ressurreição à Paixão; o Julgamento à Ressurreição; e todos os preceitos da Escrituras estarão salvos. Não se trata, portanto, de uma questão vã. Ela contém muitas coisas nesta única palavra (Theotokos). Como toda a Lei e os Profetas estão contidos no “duplo preceito” [amor a Deus e ao próximo], assim também toda nossa esperança está suspensa no parto da bem-aventurada Maria”.
Depois do evento da morte e da ressurreição, a Mãe solícita e solidária permanece com o grupo dos discípulos e como que o fortalece. De facto, vemos Maria no Cenáculo, no Pentecostes recebendo os dons do Espírito Santo que desceram sobre todos, em forma de línguas de fogo. Desse modo, nascia a Igreja, com a sua vocação apostólica e missionária. E assim Maria foi alçada ao posto de Mãe da Igreja.
Maria está presente nos primórdios da Igreja e ainda hoje a anima, orienta e inspira a sua caminhada. Tal como uma mãe a seus filhos é a grande companheira que segue junto com o povo fiel, paralela a seus passos, segurando as mãos, oferecendo conforto e conselho.
Maria é a mulher que está ligada à vontade salvífica de Deus. Mas a sua riqueza pessoal transcende a sua singularidade. A mãe de Jesus manifesta o amor do Pai, que se dignou assumir o homem exaltando-o por pura graça, pela encarnação do Filho de Deus no seio da Virgem Maria.
Segundo o desígnio divino, Maria forma parte da revelação de Deus à humanidade, unindo, deste modo, a participação activa da Igreja e do homem no acontecimento transcendente da realização da salvação. Maria está inserida no diálogo entre Deus e o homem. A mãe de Jesus aparece entre a aliança do Sinai e a nova e eterna aliança, no tempo em que se desenvolve a pedagogia divina, segundo a qual, a comunicação de Deus ao homem se faz gradualmente.
A sua maternidade sendo um dom, resultado de uma eleição divina, significa que Deus estabelece com Ela uma relação que pode ser descrita em termos de graça. Trata-se da graça da maternidade que afecta a Mãe de Deus (Theotokos), como uma realização natural do seu ser mulher. Desde a sua concepção, Maria está totalmente ligada a Deus, que torna possível que todo o ser desta Mulher se oriente para a geração da Palavra (Verbum, Logos) feita carne. Ela foi criada para esta missão. A obediência é uma manifestação da fé e entende-se como o consentimento e a realização da vontade salvífica de Deus na própria vida; a esperança é a entrega confiada, apesar da obscuridade e da falta de compreensão na vivência dos diferentes acontecimentos, pois Deus sempre cumpre a sua promessa de salvação; a caridade é a característica da missão de Maria relativamente a Deus e ao seu Filho, e a respeito de todos os homens.
A salvação é obra de Cristo, pelo que Maria não o pode substituir. A sua contribuição é de fé, de obediência, de oração, de sofrimento durante a sua vida terrena, e agora, na sua vida celeste, de intercessão materna, que se une à do seu Filho. E isto em ordem a todos os eleitos, como refere a Lumen Gentium: «Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada» (62).
Cristo é o caminho obrigatório, a porta para acolher a salvação (Jo 14, 6). O contributo de Maria para a história da salvação coexiste com a única mediação de Cristo, sem a obscurecer nem limitar, mas manifestando o seu valor e o seu poder. Como afirma o Concílio Vaticano II, a função salvífica da Virgem é cristocêntrica, deriva de Cristo e conduz a Ele, «deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece» (LG, 60).
A experiência de Deus, por parte de Maria, tem como fundamento a sua virgindade, a sua disponibilidade exclusiva para Deus. Trata-se de uma experiência de Deus baseada no despojamento prévio da experiência humana fundamental. Se Maria deu o seu “sim” incondicional à encarnação e a todas as suas consequências — entre as quais se encontra como a mais importante a cruz —, fê-lo em nome de todo o ‘género humano’, dos pecadores, dos que, enquanto tal, recusam a encarnação: «Veio ao que era seu e os seus não o receberam» (Jo 1, 11).
Maria é solidária com todos, precisamente porque foi concebida imaculada e por isso goza de uma infinita capacidade de doação e de amor. Mas se Maria dá o seu sim agradecido ao Salvador que vem, não o faz de modo algum para si mesma, mas, em princípio, por todos aqueles que têm necessidade da “salvação de Israel”. O despojamento de Maria, do qual o seu sim é consequência natural, permite-lhe experimentar o amor misericordioso de Deus, o que nela “fez maravilhas” e cuja “misericórdia se estende de geração em geração”. Maria viveu a condição de humildade que o Senhor exaltará. Ela foi a humilde escrava de Nazaré.
Maria representa toda a nova humanidade pois ela é não só o seio donde nasce o Verbo encarnado, mas também a primeira pessoa da nova criação e, portanto, seio materno do qual brotam os homens e mulheres que, como corpo de Cristo, constituem o novo Povo de Deus a caminho da Salvação.
Maria é Mãe da Igreja porque Mãe de Cristo e Mãe de Deus. Que sejamos alcançados pela sua maternal intercessão.

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