5 de março de 2009

Utentes do lar são a razão de ser da instituição


Seja qual for a situação familiar, o contexto e a história de vida, os utentes do lar da Oficina de S. José de Braga são a razão de ser da instituição e das cerca de trinta pessoas que diariamente trabalham na educação dos menores acolhidos.
Quer os actuais jovens quer os mais antigos utentes que por lá passaram são unânimes a defender os aspectos positivos da estadia na casa. Destacam – nos testemunhos apresentados nesta e nas seguintes páginas – bons momentos passados em família, as brincadeiras e o apoio e carinho que sempre receberam dos educadores.
A juntar a tudo isto deve acrescentar-se o facto relevante de existir a preocupação por parte dos responsáveis superiores de arranjar, na medida do possível, um ofício, um emprego, para que, ao sair da instituição, cada jovem esteja integrado social e profissionalmente.
Na opinião dos antigos utentes, principalmente, vai sendo notada a reclamação de criar boas condições para as actuais crianças e jovens. Essas melhores condições poderão passar pelo restauro do actual edifício ou pela construção de raiz de uma nova infra-estrutura.
«Revelou-se o melhor para mim»
Avelino Rodrigues é o mais velho de quatro irmãos que estão na Oficina de São José. Há cinco anos atrás, depois de ter fugido de uma outra instituição, o jovem natural de Vila Verde foi colocado na Oficina de S. José, desta vez com três irmãos, o Carlos, o João e o Manuel.
«Queria ter ficado com a minha família e não queria vir para a Oficina de S. José», confessou o jovem de 18 anos, destacando que os primeiros tempos foram difíceis.
Volvidos pouco mais de cinco anos desde a entrada, Avelino Rodrigues é peremptório a afirmar que «afinal a Oficina de S. José revelou-se o melhor para mim e para os meus irmãos».
À pergunta para que escolha o melhor momento passado responde que foi conhecer novas pessoas. Reconhece que umas o marcaram mais que outras, quer pela positiva quer pela negativa.
Sobre o futuro, não tem muitas dúvidas: «quero tirar o curso de mecânica». E continuou: «porque é um sonho e acredito que os superiores vão fazer tudo para que isso se concretize, já que eles só querem o nosso melhor».

«Não perdi nada e ganhei muitas coisas»
Francisco Vieira é actualmente funcionário do Diário do Minho e além de ser antigo utente da Oficina de S. José também trabalha na Gráfica da instituição.
Órfão de mãe desde o parto, entrou com sete anos e foi preciso chegar a poucos dias dos 18 anos para sair da Oficina. «Os tempos eram outros, não como os de hoje, e eram muito difíceis» afirma, revelando que a sua saída aconteceu à rebelia dos responsáveis.
«Naquele tempo não tínhamos liberdade nem não saíamos sozinhos», conta, destacando o positivo que foi a estadia na Oficina, particularmente a participação nas actividades da Mocidade Portuguesa e na banda de música.
Reconhecido à instituição, Francisco Vieira, casado e pai de dois filhos valoriza o facto de ter aprendido uma arte, na qual foi progredindo, e de ter formado uma escala de valores apoiada em princípios éticos e morais.
«Na Oficina de S. José não perdi nada e ganhei muitas coisas», afirmou, apontando que no futuro, «é necessário criar as condições necessárias para as crianças e para os jovens».

«Vou pensando que tenho de dar lugar a outros»
António João Rodrigues é o mais velho utente da actualidade e também o que tem mais anos de presença na instituição. Tem 24 anos e entrou com sete na Oficina de S. José.
Em conversa, recorda ainda como foi o dia da entrada, principalmente o quanto chorou. «A polícia foi buscar-me à escola porque não tinha condições para estar em minha casa com a minha família», disse o jovem que é natural de Sequeira, Braga.
Olhando desde já o futuro, António Rodrigues, apesar de se sentir bem, vai pensando que tem de «dar lugar a outros», já que não vai ficar para sempre.
Salientou a boa educação que recebeu e o facto de já estar a trabalhar como carpinteiro, o que é uma segurança para o futuro.
Ao longo dos 17 anos de presença na Oficina de S. José recorda muita gente nova que conheceu, anotando que ninguém em especial o marcou. Não que isso seja algo de negativo, mas porque, segundo o jovem, «todos os que conheci aqui dentro sempre me ajudaram e procuraram o meu bem».

«Estou muito bem e gosto do que faço»
Abílio de Jesus Carvalho, é antigo aluno da Oficina de S. José e actual empregado da Gráfica. Deficiente auditivo, entrou na instituição com apenas cinco anos e esteve no internato até atingir a maioridade.
«O que mais me custou foi estar longe da minha família», revelou Abílio Carvalho sobre o tempo passado na instituição. Fazendo um esforço de memória, o jovem refere que «foi um tempo bom», especialmente «as festas e as amizades».
Ressalve-se que este caso complexo é a prova de que os dirigentes da instituição não voltam as costas às dificuldades e procuram mesmo uma solução profissional para os jovens.
Foi nesse sentido que desde muito cedo este menor institucionalizado frequentou a Associação de Pais e Educadores de Crianças Deficientes Auditivas (APECDA). Com esta entrada, pretendeu a Oficina de S. José que o utente inicia-se a aprendizagem de artes gráficas com a finalidade de uma futura integração na Gráfica ligada à instituição.
É, como tal, compreensível que Abílio Carvalho destaque a grande ajuda que foi a Oficina de S. José. E sobre o trabalho na Gráfica é assertivo: «Estou muito bem e gosto do que faço», concluiu.

«Empenhei-me porque sabia ter capacidade»
Joaquim Luís Coito, 30 anos, é também antigo aluno e actual encarregado da encadernação na Gráfica da Oficina de S. José. Natural de Famalicão, esteve na instituição com um irmão mais velho entre 1992 a 1997.
«A instituição serviu-me para muita coisa e logo nos primeiros tempos vim trabalhar para a tipografia; só mais tarde estudei dois anos de noite», frisou.
Lembra, ainda, o dia que entrou na instituição. «Quando soube que ia sair de casa disse logo que não queria, mas quando cheguei à Oficina fiquei, já que era ali que tinha de estar», afirmou.
O responsável da encadernação da Gráfica confessa: «desde sempre empenhei-me porque sabia ter capacidade para chegar longe».
Joaquim Luís Coito deseja que a Oficina de S. José «seja cada vez melhor no serviço que presta e crie melhores condições físicas, renovando a actual casa ou construindo uma nova».
Este famalicense lembra, por fim, que instituições como esta têm um «papel fundamental na sociedade», mas todas deveriam apostar mais num «tratamento personalizado» dos institucionalizados.

«Fiz-me homem na Oficina de S. José»
Com 94 anos e com o título de mais antigo utente da Oficina de S. José vivo, Mário Gonçalves afirma: «fiz-me homem na Oficina de S. José».
Na Oficina, aprendeu o ofício de uma vida: alfaiate. Primeiro como aprendiz, depois como mestre, ensinou a arte a centenas de alunos até 1970, data em que recebeu uma «proposta mais vantajosa» para ir trabalhar na Casa dos Rapazes de Luanda (Angola).
Desfiando episódios, como quem desfia as "contas" de um rosário, Mário Gonçalves recordou «a vida dura daquele tempo», mas ressalvou que na Oficina de S. José se fez homem. «Conheci centenas de alunos e dezenas de educadores e directores», disse, apontando que entrou na instituição «a zero» e de lá saiu «mestre».
Ao ofício de alfaiate, a direcção da banda de música que assumiu até à saída.
Casado em 1943, pai de quatro filhos, Mário Gonçalves acredita que não sabe o que teria sido a sua vida sem a Oficina de S. José, já que o pai «não quis saber» dele e apenas uma tia mostrava alguma simpatia.
Em relação ao presente da instituição, este antigo utente espera «que todos sejam felizes» e que «aproveitem o tempo que passam na instituição».

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