2 de novembro de 2011

Memória dos mortos. Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos


Ontem, na celebração da festa da comunhão dos santos, contemplámos a Jerusalém celeste, esposa do Cordeiro, bela, sem mancha nem ruga porque santificada pelo Senhor (cf. Ef 5, 27; Ap, 21, 2); hoje somos convidados pela Igreja a fazer memória dos mortos. Festa de todos os santos e memória dos mortos são uma única grande festa em que se vive o mistério da glória e o mistério da cruz, o mistério da vida eterna em Deus e o mistério da morte na fé: Cristo ressuscitado conduz os mortos para o rio da vida da comunhão dos santos.
O cristão, por vocação, morre com Cristo (cf. Rom 6, 8) e com Cristo é sepultado (cf. Rom 6, 4) na Sua morte e, quando morre, leva à plenitude a obediência de criatura e em Cristo é transfigurado e ressuscitado pelas energias de vida eterna do Espírito Santo. É nesta consciência, nesta visão que nasce da fé, que a morte acaba por ser irmã – como era definida por S. Francisco de Assis – para se transfigurar num acto em que se restitui a Deus, por amor e na liberdade, aquilo que Ele nos deu: a vida e a comunhão. Por isso, a Igreja da terra, recordando os fiéis defuntos, une-se à Igreja do céu e, numa grande intercessão, invoca a misericórdia pelos que morreram e está diante de Deus para lhe prestar contas de todas as suas obras (cf. Ap 20, 12).
O texto do Evangelho de S. João recorda-nos palavras de Jesus que ressoam como uma promessa que pode ser repetida ao nosso coração para vencer a tristeza e o temor. Jesus disse: «Quem vier a Mim, eu não o rejeitarei». O cristão é aquele que vai ao encontro de Cristo, em cada dia, mesmo se a sua vida está marcada pelo pecado e pela queda; é aquele que se afasta e regressa, que cai e se levanta, que retoma com confiança o caminho do seguimento de Cristo. E Jesus não o rejeita; pelo contrário, abraçando-o no seu amor oferece-lhe o perdão dos pecados e condu-lo definitivamente à vida eterna: Esta é a vontade de meu Pai: que quem acredita no Filho tenha a vida eterna (cf. Jo 3, 16.36). Por isso é que S. Paulo escreveu: «o dom gratuito que vem de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 6, 23).
A memória dos mortos é, portanto, para os cristãos uma grande celebração da fé na ressurreição e na vida eterna: aquilo que é confessado e cantado na celebração das exéquias, é reproposto num único dia, para todos os mortos. A morte não é mais a última realidade para os homens; os que morreram, indo ao encontro de Cristo, não são por Ele rejeitados, mas ressuscitados para a vida eterna, a vida para sempre com Ele, o Ressuscitado-Vivente. A morte é verdadeiramente uma passagem, uma Páscoa, um êxodo deste mundo para o Pai: para os crentes não se trata de um enigma, mas de um mistério, porque está inscrito, de uma vez para sempre, na morte de Jesus, o Filho de Deus que soube fazer da sua morte um autêntico e total acto de entrega e oferta ao Pai. E assim também nós hoje somos chamados a interrogarmo-nos sobre a fé na nossa ressurreição, da qual Cristo é penhor e fundamento, recordando as palavras paradoxais do apóstolo Paulo: se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou (1 Cor 15, 16). Às vezes parece mais difícil acreditar na nossa ressurreição do que na ressurreição de Cristo.
Escreveu S. João na sua 1ª Carta: «Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos» (1 Jo 3, 14), palavras que constituem um comentário, fruto de grande inteligência espiritual, a uma outra afirmação de Jesus: «quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida» (Jo 5, 24). É exactamente assim: se os cristãos não amam os irmãos, ficam prisioneiros da morte; pelo contrário, amando mostram que estão mortos para si próprios e vivos em Cristo, vivos da vida de Deus semeada neles. Sim, quem vive cada dia neste amor, faz a experiência de ser vencedor da morte, de passar já da morte para a vida, porque o «amor é mais forte do que a morte» (Ct 8,6).

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