Talvez muitos não compreendam a razão pela qual um jovem, desde tenra idade, entra para o seminário. Talvez não compreendam também a razão pela qual gastar energias a servir, a escutar e a cuidar de um povo quando tantos outros projectos de vida são igualmente fascinantes. A razão é apenas uma. Opta-se pelo melhor. E o melhor, para um coração sacerdotal, é Cristo. É essa liberdade de coração, esse prazer genuíno de estar com o Mestre, que irradia para os demais e mostra a alegria de viver a fé ardentemente sem ambiguidade.
Mas, caríssimos irmãos, Deus chama a toda a hora. Sei que esta hora nos parece demasiado cedo para o último chamamento. Mas permitam-me que termine de citar a homilia de Epifânio de Salamina. «Levanta-te, tu que dormes [...]. Levanta-te dentre os mortos, eu sou a Vida dos mortos». Com esperança cristã, acreditamos que o Pe. Miguel se encontrou com a Vida e, por isso, intercede agora por nós, como tantas vezes o fez nas eucaristias desta comunidade.
Que este momento de comunhão fraterna em Cristo fortaleça a nossa unidade, uma vez que estamos a celebrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Fazemo-lo com a frase bíblica «Dá-me de beber!». Por diversas vezes, os evangelhos falam da sede, da água e do acolhimento das necessidades. Neste encontro particular entre Cristo e a Samaritana, sobressai o movimento de Cristo que vai ao encontro e pede que lhe dêem de beber. Hoje o mundo necessita da nossa unidade. Unidade com Cristo e, por Ele, com toda a comunidade sacerdotal e eclesial. Só unidos seremos água viva que responde à sede de um mundo que pretende viver sem Seus. São tantos os problemas e as expectativas. Ninguém sozinho consegue ser resposta adequada.
A vida do Pe. José Miguel foi breve, é certo, mas tudo foi cumprido. Deu-se até ao fim, amou até ao fim. Tudo está consumado e agora vive ressuscitado. Que isso nos inspire, nos conforte e nos una na mesma fé e nos diga que, por Deus, a alegria do Evangelho deve chegar a todos.
António Correia de Oliveira, um poeta do século XX que se fixou em Esposende, escreveu certa vez: «É certo! Um novo dia amanheceu // Mas, para o amanhecer, quanta negrura! // quanto inferno de sombra e de amargura! // E quanto purgatório, antes do céu!».
Pe. Miguel, cedo para ti o dia amanheceu, quanta negrura antes do céu. Mas agora que vives entre os esplendores da luz perpétua, onde desaparecem as sombras da amargura, toma conta de nós e continua a amar-nos com o teu coração sacerdotal e faz com que em todos os sacerdotes e cristãos da Arquidiocese se intensifique o gesto de estar com Jesus para, depois, alegre e corresponsavelmente, o darmos a quem tem sede d’Ele, ainda que não o diga. Intercede por nós junto de Deus para que a Igreja Arquidiocesana, através de uma fé vivida, por sacerdotes e leigos, seja verdadeira fonte onde todos se saciam e saboreiam o amor de Deus. Aqui e agora queremos ser uma coisa contigo. Devolve-nos a graça de uma Igreja unida na mesma fé e que o amor entre nós vença todas as dificuldades, inclusive a dor que a tua morte, inesperada e incompreensível, gerou.
D. Jorge Ortiga, na homilia exequial
http://www.diocese-braga.pt/media/contents/contents_Rm0qTw/2015.01.23_jose_miguel_funeral.pdf
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