O Papa Bento XVI defende na sua terceira encíclica, “Caritas in Veritate” (A caridade na verdade), uma nova ordem política e financeira internacional, para superar a crise em que o mundo se encontra mergulhado. No documento tornado público ontem, o Papa apresenta como prioridade a «reforma da Organização das Nações Unidas e da arquitectura económica e financeira internacional», sentida em especial «perante o crescimento incessante da interdependência mundial», mesmo no meio de uma «recessão igualmente mundial».
Em vésperas de mais uma reunião do G8, que decorrerá em Áquila, a nova encíclica – endereçada aos Bispos, presbíteros e diáconos, às pessoas consagradas, aos leigos e a todos os homens de boa vontade – diz que a «verdadeira autoridade política mundial» teria como objectivos prioritários «o governo da economia mundial», o desarmamento, «a segurança alimentar e a paz», a defesa do ambiente e as regulações dos fluxos migratórios. Outra necessidade apontada é a de ajudar «as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em consequência, maiores desequilíbrios».
Denunciando o lucro a todo o custo, Bento XVI sublinhou que «não é suficiente progredir do ponto de vista económico e tecnológico», pois é necessário que o desenvolvimento seja «verdadeiro e integral», assinalando que, em termos absolutos, a riqueza mundial cresceu, «mas aumentam as desigualdades».
Por isso, defende para a economia uma ética «amiga da pessoa», que não esqueça a «dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais naturais». «Uma ética económica que prescinda destes dois pilares arrisca-se inevitavelmente a perder o seu cunho específico e a prestar-se a instrumentalizações; mais concretamente, arrisca-se a aparecer em função dos sistemas económico-financeiros existentes, em vez de servir de correcção às disfunções dos mesmos», alerta.
O Pontífice esclarece que é de evitar que a redistribuição da riqueza se faça «à custa de uma redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como uma má gestão da situação actual» poderia fazer temer.
Num verdadeiro balanço da actividade económica e social global, o Santo Padre defende que a ajuda mundial seja canalizada para auxiliar os países pobres a eliminar a fome, e também advoga a redução do consumo de energia nos países mais industrializados e uma utilização mais racional e eficaz dos recursos naturais.
Nesta sua primeira encíclica social, o Papa retoma a Doutrina Social da Igreja, que tem na “Populorum Progressio”, de Paulo VI (1967) um documento fundamental, sublinhando que a caridade na verdade é o seu eixo essencial, orientado pelos critérios da justiça e do bem comum.
«A doutrina social nunca deixou de pôr em evidência a importância que tem a justiça distributiva e a justiça social para a própria economia de mercado», acrescentou. «Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade», sublinhou.
Modelos para a globalização
A «sociedade em vias de globalização» é o alvo preferencial de várias considerações de Bento XVI na “Caritas in veritate”. Olhado para as várias intervenções dos seus predecessores em matéria social, o actual Papa considera que a principal novidade da actualidade «foi a explosão da interdependência mundial, já conhecida comummente por globalização».
«A globalização – escreve – é um fenómeno pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido na diversidade e unidade de todas as suas dimensões, incluindo a teológica».
Bento XVI avisa que «o processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica, passando esta a ser um poder ideológico», pedindo, por isso, uma «formação para a responsabilidade ética no uso da técnica».
O Papa não alinha com as «atitudes fatalistas» a respeito deste fenómeno, que mostra a realidade de «uma humanidade cada vez mais interligada».
«Na época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos sujeitos e actores. Trata-se, em última análise, de uma forma concreta e profunda de democracia económica», observa Bento XVI.
Neste contexto, anota o Papa, «eliminar a fome no mundo tornou-se também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra». «Poderia revelar-se útil considerar as novas fronteiras abertas por um correcto emprego das técnicas de produção agrícola, tanto as tradicionais como as inovadoras, desde que as mesmas tenham sido, depois de adequada verificação, reconhecidas oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta as populações mais desfavorecidas», indica.
D. Jorge Ortiga considera texto importante para avaliação dos programas eleitorais
Encíclica chega «na hora exacta»
para a sociedade portuguesa
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Jorge Ortiga, defendeu, em Fátima, que a encíclica “Caritas in veritate”, de Bento XVI, chega «na hora exacta», destacando a importância que o texto pode ter para a avaliação dos programas políticos nas próximas eleições, no nosso país.
Num encontro inédito, destinado a apresentar o novo documento do Papa, o Arcebispo de Braga disse ser necessário discutir o texto «com a sociedade portuguesa», em especial para ajudar a formar um voto mais «consciente», como a CEP já tinha pedido na sua última Assembleia Plenária.
«Esta carta encíclica, se fosse lida e meditada por todos os cristãos e particularmente também pelos políticos, num tempo de eleições que se aproxima estou convencido que seria muito útil», defendeu o prelado.
De acordo com D. Jorge Ortiga, «a Igreja não se quer intrometer em questões políticas, mas há uma doutrina que se repercute em vários sectores da vida».
Nesse sentido, defendeu que “Caritas in veritate” contém um «conjunto de orientações que poderão enriquecer muito a sociedade portuguesa».
«É necessário projectar de novo o nosso caminho», encontrando regras e formas novas de compromisso, acrescentou o presidente da CEP, para quem a crise exige «novos paradigmas de vida», em termos individuais e sociais.
Comentando o título dado pelo Papa à sua terceira encíclica, o Arcebispo de Braga sublinhou que o amor «impele as pessoas a comprometerem-se» e que «a Igreja tem de denunciar determinadas situações em nome da verdade».
Nesse sentido, disse esperar que a carta «chegue ao coração da sociedade portuguesa».
Esta iniciativa inédita visou colocar a Igreja em diálogo «com toda a sociedade».
Aos jornalistas, o presidente da CEP disse ainda que na reunião do Conselho Permanente deste organismo, que decorreu em Fátima, não se abordou em profundidade a nova encíclica porque em cima da mesa estavam questões pendentes para a regulamentação da Concordata.
«Esta regulamentação tem sido feita, particularmente nos últimos tempos, a partir de diálogo sobre os documentos, em várias instâncias. Temos estado neste quase jogo de pingue-pongue», indicou.
«Esperemos que já se esteja a chegar ao fim», acrescentou, admitindo que alguns aspectos ainda necessitarão de uma abordagem posterior.
Diário do Minho
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